Oito mil atendimentos em doze meses. É este o volume de casos que, no último ano, precisou ser dividido entre dez conselheiros tutelares passo-fundenses a fim de garantir a manutenção dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes que se encontravam em situação considerada de risco. Entre Processos Administrativos (PAs) abertos, o número chega a doze mil – cerca de mil e duzentos para cada conselheiro. Não é difícil imaginar, dentro deste contexto, que escolher profissionais capacitados, conhecedores da realidade do município e das responsabilidades de um conselheiro tutelar, deve ser um interesse compartilhado pela comunidade em geral, ainda mais quando eles são empossados graças à votação direta. Essa percepção, no entanto, não costuma aparecer nas eleições da categoria. Em Passo Fundo, onde mais de 140 mil eleitores estão registrados, o índice de votantes no último pleito não chegou nem a 10%, um número bastante semelhante ao registrado no restante do Brasil.
De acordo com a coordenadora da Microrregião I do Conselho Tutelar de Passo Fundo, a conselheira Marlene Silvestrin, nas eleições que acontecem novamente em todo o país neste domingo (6), o desafio permanece sendo engajar os eleitores. “A participação é facultativa, mas a população precisa saber da importância do conselheiro e precisa fazer o exercício de escolher seu candidato, procurar os locais de votação e exercer o seu direito de votar. É um processo muito rápido e que dá legitimidade a um dos trabalhos mais bonitos que a sociedade moderna criou”, incentiva. Em Passo Fundo, para o quadriênio 2020/2023 serão eleitos dez conselheiros tutelares titulares, além de dez suplentes. Eles serão distribuídos de maneira igualitária entre o quadro de funcionários dos dois Conselhos Tutelares disponíveis no município. Ou seja, enquanto cinco conselheiros titulares deverão atender a Microrregião I, outros cincos serão encaminhados para o atendimento da Microrregião II.
Os conselheiros trabalham no monitoramento e na defesa dos direitos da criança e do adolescente, exercendo funções como a aplicação de medidas protetivas sempre que esses direitos fundamentais, reconhecidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são ameaçados ou violados. “Isso acontece em três situações: por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais e responsáveis; ou em razão da sua própria conduta. Verificadas essas hipóteses de violação de direitos, o Conselho Tutelar pode determinar várias medidas de proteção, desde encaminhamento dos pais ou responsáveis mediante termo de responsabilidade; orientação e acompanhamento temporário; conferir a questão de matrícula e frequência obrigatória nos estabelecimentos oficiais de ensino; solicitar a inclusão da família em programa comunitário oficial de auxílio à família, criança ou adolescente; requisitar tratamento médico, psiquiátrico, psicológico, em regime hospitalar ou ambulatorial; e também pode solicitar o auxílio dos programas oficiais de orientação ao tratamento de alcoolismo, de toxicômanos”, lista Silvestrin.
Desta forma, o Conselho Tutelar se configura como uma das principais engrenagens da rede municipal de proteção a crianças e adolescentes – por ser um órgão a quem cabe somente a solicitação de medidas e não a efetivação delas, o conselho atua dentro de uma grande rede, formada também por escolas, hospitais, secretarias municipais, coordenadorias de educação, órgãos de segurança pública, Ministério Público (MP), entre outros. “Na maior parte dos casos, é o conselheiro tutelar quem consegue identificar as situações de violação de direitos que as crianças estão vivenciando e, então, repassar aos demais órgãos. No Ministério Público, por exemplo, temos uma relação direta com o Conselho Tutelar porque toda a decisão do órgão, dentro da área ligada à criança e ao adolescente, precisa ser respaldada por dados dos demais órgãos da rede de proteção. Então, aliado a tudo isso, necessariamente, o MP precisa dos relatórios elaborados pelos conselheiros, pois são eles que verificam em loco as situações das famílias analisadas”, explica a promotora de Justiça Clarissa Simões Machado.
Ainda conforme esclarece a promotora, sob a perspectiva de que uma criança ou um adolescente teve, durante a infância ou a adolescência, um desenvolvimento sadio em todas as esferas, seja ela familiar ou social, a atuação do conselho não se tornaria necessária. No entanto, ela cita que em um país como o Brasil, de extrema vulnerabilidade social e elevados índices de violência, estes jovens necessitam de uma rede de proteção integrada que faça valer seus direitos. “Votar é de extrema relevância pública. A Constituição Federal diz que a proteção é um dever de todos, então, se dirigir às urnas é o cumprimento de um dever constitucional. E, como se não bastasse o direito de proteção, temos que pensar em outras questões sociais que envolvem a desproteção de um indivíduo em sua fase de desenvolvimento. Se observarmos a população carcerária, veremos que a maioria dos apenados não teve uma infância minimamente protegida. Eles não contaram com essa garantia dos seus direitos fundamentais. Investir na proteção significa, também, investir na diminuição da violência, por exemplo”, defende.
Processo criterioso
Até chegar à fase final do pleito, os candidatos a conselheiros precisam enfrentar um extenso processo de avaliação. Na primeira etapa da eleição, eles realizam a inscrição, apresentam os documentos solicitados no edital do pleito e comprovam a experiência de trabalho na área de trato ou defesa dos direitos da criança e do adolescente. A documentação é analisada por uma comissão especial, estabelecida por meio de resolução. Se aprovados na primeira fase, os candidatos são submetidos, então, à avaliação psicológica e psiquiátrica. A terceira etapa do processo seletivo é um curso de 20 horas, que aborda questões relativas à proteção de crianças e adolescentes e noções jurídicas da função do conselheiro tutelar. Depois, o candidato passa ainda por uma prova de conhecimentos básicos. Somente depois de aprovado nas três etapas iniciais, o candidato pode, finalmente, passar pelo voto popular.
A presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDICA), Josiane Chapuis, explica que a cautela visa garantir que os profissionais eleitos atendam, de fato, o perfil necessário para exercício da função. “É uma preocupação em procurar profissionais que entendam da realidade de Passo Fundo e da matéria que precisarão trabalhar no dia-a-dia. Eles vivenciam situações de risco não só para as crianças, mas para eles próprios também”, esclarece. Em consonância, para a promotora Clarissa Simões, considerando tantos cuidados, engajar uma maior participação da comunidade significa ampliar a possibilidade de eleger conselheiros que de fato conhecem a realidade do município. “A ideia é que sejam pessoas eleitas por seus pares, pessoas que conhecem quem são e quais são as propostas destes candidatos. Vale lembrar também a obrigatoriedade de que cada candidato resida a pelo menos dois anos no município, para que tenha justamente esse conhecimento da realidade local”.
Além da preocupação que envolve o desempenho do profissional na prestação de serviços à comunidade, a avaliação criteriosa é fundamental, até mesmo, para os próximos candidatos. Segundo Marlene Silvestrin, a rotina de um conselheiro é exaustiva tanto pela carga horária quanto pela pressão psicológica. “Trabalhamos 40 horas semanais, fazemos plantão de 24 horas uma vez por semana e, ainda, precisamos fazer rodízios nos fins de semana e feriados. Eu preciso estar aqui, ouvir e já solicitar alguma medida. Minha ação vai ter desdobramentos na vida das famílias. Isso é muito sério. São pessoas diferentes e, para cada uma delas, você tem que ter um olhar personalizado. Imagine como pode ser pesado psicologicamente, ainda mais porque, no mandato atual, não contamos com acompanhamento psicológico”, comenta.
Necessidade de políticas públicas
Em Passo Fundo, de acordo com dados das microrregiões do Conselho Tutelar local, a maior parte dos atendimentos está ligada a problemas nas áreas de educação e habitação. “Oficialmente, nós atendemos 65 casos de ofensa sexual comprovados nos últimos doze meses. É um dado elevado, mas é na questão da educação que está a principal fragilidade de Passo Fundo. O município é muito atrativo pela questão das vagas de trabalho e, em função disso, muitas pessoas saem do interior e se mudam para cá com suas famílias. Quando chegam aqui, não encontram vagas escolares suficientes para todas as crianças. O número de escolas em Passo Fundo é insuficiente, elas são superlotadas”, expõe Silvestrin.
Segundo a conselheira, está em situações como essa a necessidade de os conselheiros conhecerem a realidade na qual estão inseridos, especialmente nas dificuldades ligadas à região onde eles atuam. “O bairro Zacchia, por exemplo, tem uma quantidade de famílias acima de doze mil, mas lá só tem uma escola municipal de ensino fundamental, que não dá conta de toda a comunidade, e uma extensão do Arco Verde para ofertar o ensino médio à noite. Os jovens que terminam o ensino fundamental e não encontram vaga à noite ali, precisam ir para o centro da cidade. Isso tudo afeta o dia-a-dia dessa comunidade”.
Em tom pouco animado, ela admite que já considerou ser uma grande necessidade ter mais Conselhos Tutelares em Passo Fundo, devido à enorme quantidade de processos abertos no órgão e que necessitam de atendimento. “Porém, hoje, eu te diria que precisaria somente de mais um. O que precisa mesmo são políticas públicas. Tem que ter emprego digno para os pais, tem que garantir questão da saúde desde o pré-natal, garantir habitação. Não temos nenhum programa habitacional. Temos 180 ocupações em Passo Fundo. São locais sem escola, sem lazer, sem saneamento básico. Essa situação toda de extrema pobreza gera uma grande quantidade de demanda que, se fosse atendida pelas políticas públicas, não precisaria ser atendida pelo conselho”.
Como votar
No pleito unificado, poderão votar todos os eleitores registrados na cidade de Passo Fundo, no período das 8h às 17h deste domingo (6). No momento da votação, é preciso apresentar o título eleitoral e documento de identidade. Cada eleitor tem direito a votar em somente um candidato, independente da Microrregião.
Locais de votação
A população passo-fundense conta com cinco locais de votação, onde estão distribuídas cinquenta urnas. São eles: Instituto Estadual Cecy Leite Costa, Escola Estadual Ernesto Tochetto, Escola Estadual Joaquim Fagundes dos Reis, Escola Estadual Protásio Alves e Instituto Estadual Arcoverde. O direcionamento deve ser feito de acordo com a zona eleitoral na qual o eleitor está cadastrado. A lista pode ser conferida no site pmpf.rs.gov.br.
Candidatos ao pleito
Confira os nomes dos candidatos por Microrregião e seus respectivos números.
Micro Região I
162 - Alexandre da Rosa Vieira
150 - Ana Lúcia Kichel
107 - Ana Paula Nogueira da Silva
153 - Claudia Ferrão
136 - Claudia Teresinha Borcioni de Carvalho
101 - Clédio Paties
130 - Dhieimy Quelem Waltrich
135 - Diego Jean Moraes
119 - Elisabeth Lourdes Lisboa
105 - Guacira Rosano Souza
149 - João Lair Alves
142 - Julio Cesar Martins Leite
154 - Luisa Suder Lima
116 - Rodrigo Marques
134 - Suzana Catilho de Souza Cavalcanti
118 - Vanusa Lanzarini
Micro Região II
227 - Aline Severo Goelzer Moreira
213 - Cassia Camila Gazzola Leite
204 - Celma Santos Correia da Silva
248 - Cristiane Soares Pereira
241 - Edilene Turello
243 - Elton Damaceno Rodrigues Lopes
206 - Eva Vanderli Chaves Miranda
226 - Gabriela da Silva Merlim
239 - Ione Bona Teixeira
223 - Janessa Marina Chapuis Berdion dos Santos
237 - Maria Luci da Silva
225 - Nero Paulo Ely Andrade
259 - Paula Freire Dorneles
233 - Tito Silveira Machado
269 - Valônia Melo de Vasconcelos Silva