OPINIÃO

Nossos respeitos à memória de Harold Bloom

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De Harold Bloom (1930-2019), professor e crítico literário americano, sou admirador pela sua indiscutível qualidade como intelectual e, sobretudo, pela criação dos conceitos do Cânone e da Angustia da Influência. Ambos se confundem em William Shakespeare, pois, para Bloom, Shakespeare não é apenas o cânone ocidental, é também o cânone mundial.


A palavra cânone, que inicialmente tinha um sentido religioso, sendo aplicada à relação dos homens da Igreja que eram tidos como santos, evoluiu, literariamente, para uma lista de escritores considerados como referências a serem imitados, até à posição sustentada por Harold Bloom, envolvendo um conjunto de qualidades que converte autores em autoridades culturais. O cânone “bloomiano” é centrado em Shakespeare, embora, na sua definição, possam ser incluídos nomes como Cervantes, Tolstói, Dante, Goethe etc., que, indiscutivelmente, são escritores cujas qualidades intrínsecas e, acima de tudo, pelo valor estético das suas obras, influenciaram o processo criativo de autores posteriores a eles. Não sem críticas, evidentemente, pois o cânone de Bloom é integrado em demasia por homens, brancos e europeus.


O conceito de cânone defendido por Harold Bloom é, reconhecidamente, de caráter utilitário, pois, entre tantas obras disponíveis, permite o estabelecimento de uma ordem de prioridade de leitura. Isso, evidentemente, se contrapõe ao conceito de “biblioteca”, defendido por Foucault, que implica na utilização pelos intelectuais de todos os textos disponíveis sem qualquer discriminação convencionada pelo valor estético ou influência que, por ventura, tenham exercido.


Em 1973, Harold Bloom publicou o livro The Anxiety of Influence – A Theory of Poetry, cuja tradução para o português recebeu o título de A Angústia da Influência - Uma Teoria da Poesia, que, até hoje, tem recebido criticas e elogios variados, dependendo da simpatia do leitor por Bloom. E mais uma vez, nessa obra, Shakespeare aparece como o herói favorito de Bloom, sendo considerado o mais influente dos autores que apareceu nos últimos quatro séculos. Não passamos, como escritores, de meras criaturas inventadas por Shakespeare. William Shakespeare não pensou uma ideia, escandalosamente, pensou todas as ideias; frisou Harold Bloom ao criar, assim rotulada por ele, uma espécie de “Bardolatria”.


Na segunda edição do livro The Anxiety of Influence – A Theory of Poetry, publicada em 1977, Haroldo Bloom dedicou um laudatório prefácio para atacar aqueles que ele chamou de ressentidos da literatura canônica, como sendo, nada mais e nada menos, que negadores de William Shakespeare, que se rendem a sua influência mesmo sem perceber que o fazem e que não escondem o sofrimento da angustia que sentem por terem sido influenciados pelo Bardo.


A influência usada no contexto explorado por Harold Bloom é uma metáfora envolvendo relacionamentos humanos, que pode ser extrapolada para além do ressentimento dos ressentidos em relação ao cânone da literatura mundial. Não pode ser ignorada, por exemplo, a angústia da influência que grassa no mundo acadêmico, ainda que nem sempre perceptível ou assumida, entre orientados e orientadores, pesquisadores associados e cientistas sêniores, supervisionados e superiores, membros e lideres de projetos, etc., que não raro deixam de lado o combate criativo do campo das ideias, o AGON preconizado por Bloom, em que aquele que vem depois realiza uma obra importante (e melhor, se possível) em resposta ao seu antecessor influente, ao trilhar, por meritocracia, novos cargos/caminhos no mundo das corporações. Nesses casos, eu, por não ter a erudição de Harold Bloom para criar uma metáfora modelar, diria, para algumas situações, quando mudam as posições de comando em uma organização e se sobressai uma aura deliberada de má vontade dos novos comandantes com os antecessores, que não estamos diante de meros ressentidos angustiados pela influência, mas, efetivamente, de uma horda de FDPs.

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