Minha crônica anterior referiu Cortella que distribui a vida em 3 fases: construção, produção e destruição. Construção até os 25 (formação de corpo e mente), produção até os 50 (onde perdemos o nome em troca dos 11 números do CPF e vendemos nossas vidas em troca de grana) e depois dos 50 em que entramos no debacle, vamos perdendo a significância. Essa opinião do filósofo-professor-escritor Mario Sergio Cortella causou debates. Alguém disse que a fase da produção é eterna e que a busca do conhecimento e autoconhecimento não tem limite temporal; alguém também argumentou que a fase da destruição independe da temporalidade porque muitos ficam velhos perto dos 40 anos e muitos são extremante jovens mesmo após os 80, verdade também. Nessa fase da senescência sem senilidade a gente vai tentando entender a nosso papel no mundo e, sobretudo, tentar saber o que viemos saber e o que vamos deixar. O mesmo Cortella sustenta que o grande erro é a depressão por percebermos não ser imortais. O homem busca enganar a morte e busca a imortalidade, bem explicitada no romance sobre o deus fenício Gilgamesh. Na contemplação da melhor idade descobrimos que o lance não é a busca da imortalidade, ela não está no nosso alcance. O lance é a busca da eternidade, busca essa que passa a justificar nossos atos no cotidiano. Morreremos fisicamente, está exposto que assim será democraticamente a todos. Mas, o que fazemos na trajetória ou o que deixamos de fazer ficará na memória ou será imediatamente deletado.
A fase da produção ou do trabalho ou, ainda, do CPF em busca da grana é que suscitou mais debates. Alguém me cutucou escrevendo que o homem que entende como peso o seu labor deve ter feito uma péssima escolha profissional e que é por isso, infeliz. O que Cortella quis dizer é que o trabalho geralmente nos afasta demais de nossos familiares, que não damos atenção merecida aos filhos, que dispomos a eles mergulharem em seus computadores e não percebemos que nossas ausências empestam solidão e frustração a geração que aí está.
Dia desses numa palestra sobre filosofia-vida-espiritismo para profissionais liberais eu falava sobre isso quando fiz uma pergunta em que induzi as respostas. Perguntei: doutor, o que o senhor é? Advogado, respondeu. O outro, engenheiro...empresário...dentista. Aí perguntei: em uma palavra, o que é mais importante pra o senhor? Todos responderam: a família. Então, arrematei: se a família é o mais importante por que quando eu perguntei o que o senhor é, o senhor respondeu o que faz. Poderia ter respondido: sou pai, sou marido. Respondeu o que faz porque a gente parece ser o que faz profissionalmente. Vendemos nossos melhores anos ao dinheiro e quando o tivermos ela não devolverá o brilho dos olhos, a cadência das artérias, o preto dos cabelos e nem o gosto pela vida. E o pior, estaremos sós, nossos filhos não estarão por perto. Cortella pode não estar certo 100 por cento, é óbvio, quem está? Mas, é de se pensar no assunto, se você tiver tempo para isso, é claro.