Germani Antunes Pereira, de 49 anos, nem poderia estar segurando o pequeno João Gabriel, de um ano e sete meses, nos braços. Depois de sofrer três infartos, em abril deste ano, foi proibida de fazer trabalhos pesados. A morte da filha e do genro, atropelados por um caminhão na RS 324, em setembro passado, lhe cobrou esta postura, quando o neto foi o único sobrevivente. “Tem dias que ele chora muito. Ele procura. Quer o pai. Quer a mãe. Tem horas que da um pânico na gente, bate um desespero”, desabafa.
Ontem, 22 dias após o acidente, Germani, uma mulher um tanto tímida, lembrava-se com detalhes de como soube da morte da filha e do genro. Os impactos disso na família, que antes vivia em oito na casa de quatro cômodos, ainda são contabilizados, e mal se podem ver no papel quando Germani fala do medo do sustento dos seus – que tinha no trabalho de catador da filha e do genro parte da renda.
No dia 30 de setembro, Gisele Pereira Venegáz, 21 anos, e o companheiro Carlos Eduardo Trelha Miranda, de 20, colocaram João Gabriel no carrinho de bebê e saíram às 11h para a casa da mãe de Carlos, que mora na Cohab, em Passo Fundo. Sem dinheiro para a passagem de ônibus, saíram a pé. Sempre, diz Germani, cruzavam pela RS 324. Às 11h26, horário que não esquecerá, é que sua outra filha, de oito anos, entrou correndo pela porta da casa anunciando que um casal com um bebê havia sido atropelado por um caminhão. A menina ouviu no rádio e Gisele não quis acreditar. Pediu para que a vizinha ligasse para a filha. As chamadas não eram atendidas. Só perto das 12h é que alguém na outra linha confirmou que o casal e a criança estavam no Hospital São Vicente de Paulo (HSVP).
“Meu marido foi e eu fiquei em casa. Minha pressão subiu demais e não me deixaram ir. Até que me chamaram. Porque eu tinha que estar lá. Quando eu cheguei ela já tava morta. Teve três paradas. O menino tava na CTI. E ele [Carlos] na cirurgia. O braço dele teve que ser amputado. Mas ele faleceu à noite”, conta Germani.
Mais de 20 dias de saudade
João Gabriel só recebeu alta no dia 16 de outubro. A vizinha, Maria da Luz Anhaia, de 54 anos, sentada no sofá ao lado da porta da casa de Germani, disse que não conseguiu ir ao velório da mãe e do padrasto da criança. Seu apego era grande, sobretudo com Gisele, a quem chamava de “minha menina”. A catadora ainda estava grávida de três meses. No dia em que morreu, Maria a viu deixar a casa. “Aquele dia ela não estava muito maquiada”, lembra-se. “E eu disse: E está vindo a nossa princesinha!” É que Gisele queria uma menina. Se chamaria Isabela. Mas este também foi um sonho interrompido.
O pequeno sobrevivente é que carrega as memórias vivas. Ele fraturou os membros inferiores, precisa usar um colar cervical e, segundo Germani, nesta quinta-feira (24) ele passará por uma cirurgia.
Ajuda da comunidade
Há mais de 20 dias convivendo com a saudade, a família teme os próximos dias porque tem outros medos. É que eram Gisele e Carlos quem saiam todos os dias para recolher sucatas para serem trocadas. Além deles, o marido de Germani e às vezes outro filho, de 17 anos, também. Os outros filhos tem 11 e 8 anos. As contas fixas da família somam R$ 200 (apenas em água e luz). Mas não entram nessa soma os gastos com alimentação, leite, fraldas, brinquedos, materiais escolares, roupas e os remédios – já que Germani tem problemas de coração. “E depois da cirurgia não sei com o que mais teremos que gastar”, desabafa a avó sobre a operação de João Gabriel.
A família não recebeu auxílio do motorista do caminhão e aguarda o inquérito que investiga as causas do acidente ser concluído. Germani se limita: “Quero que seja feita a justiça de Deus”. E agora pede ajuda da comunidade. Dias atrás, conta Maria, algumas pessoas da comunidade ajudaram. “Hoje [ontem] eu fiquei desesperada porque penso que além das necessidades eles precisam conviver com a dor”, desabafou a vizinha. “E estava sentada na cadeira ao lado do fogão e disse pro meu marido que eu queria ter todo o dinheiro do mundo pra poder ajudar as pessoas. Porque não é só a situação, é a dor que estão passando.”
A família disponibilizou um telefone para que quem puder ajudar, entre em contato. Eles pedem doação de alimentos, sobretudo leite, fraldas, roupas de criança, comida e um guarda-roupas, para guardar as coisas da criança.
Inquérito
O inquérito que investiga as causas do acidente está em fase final, segundo informou a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), de Passo Fundo. O caso é tratado como homicídio culposo na direção de veiculo automotor, com pena prevista de dois a quatro anos mais suspensão de habilitação. A pena dependerá da interpretação do juiz que analisará o caso.
A Polícia Civil aguarda o resultado da perícia com a criança, com o caminhão e ouvir uma testemunha. Para o inquérito, segundo informações da DHPP, o motorista alegou que trafegada normalmente na via e que “ele não teve como evitar o impacto”. Também segundo a DHPP, ele disse que “as vítimas caminhavam sobre a pista”.
AJUDE
Doações para a família podem ser feitas através do contato:
(54) 992106420