Minha adolescência viveu o período militar, de exceção segundo alguns, revolucionário ou contra-revolução segundo outros, ditadura ou ditabranda segundo o que se imagina cada cabeça. E havia no mural da faculdade de medicina, junto ao diretório Sabino Arias, uma frase famosa e “corrigida”. A original constava “um país é feito de homens e livros” – Monteiro Lobato - e a corrigida “um país é feito de homens livres”. O que é ser livre? É andar sem aliança, sem CPF, sem documentos, sem ideologia, sem país, sem dinheiro, sem dependências, sem credo – em outras palavras, o super-homem de Niesztche? Quem é livre ou absolutamente livre? Somos seres sociais, necessitamos da aldeia, necessitamos de interação, não somos libertos. A gente se libera de algumas coisas com o andar da carroça como o materialismo exacerbado, como o de pertencer a grandes grupos, como a de lutar por lenços ou bandeiras. Passamos a centralizar atenções à família, o grande reduto, o aconchego final, como definiu Luc Ferry na Fronteiras do Pensamento essa semana em Porto Alegre.
E tem os livros (segundo Monteiro Lobato) e tenho fixação por eles. Tenho sobre a mesa os seguintes títulos a recomendar: a história é amarela (50 entrevistas de Veja), o lado certo da história (Ben Shapiro), entre sem bater, a vida do Barão de Itararé (Claudio Figueiredo) e o solar da fossa (Toninho Vaz), livro muito interessante sobre uma pensão no bairro de Botafogo no Rio, onde grandes personalidades emergentes das letras, música, teatro e cinema moraram em seus tempos de pobreza. O solar da fossa havia sido emprestado ao saudoso colega Ricardo Bittencourt há 12 anos. Comprei-o novamente.
Meus pais morreram fisicamente há 10 anos. Penso neles com a imensa responsabilidade de tentar reproduzir a majestosa missão por eles cumprida de criar filhos bons de cuca, honestos e de alto astral. Eram semianalfabetos, meus pais, ao se conhecerem em 1955. Minha velha mal sabia escrever, mas lia bem. Meu velho era muito pobre, feio e gago. Gago até para escrever, segundo ele mesmo. Mas, superou sua herança social, venceu seus obstáculos, foi além, excedeu. E eu? Bem, minha realidade social, conquistada pelos meus pais semianalfabetos foi bem mais branda. Meu velho ao entrar nas forças armadas, por onde ficou por 28 anos e 1 dia, apenas estendeu a si aquilo que aprendera em casa juntos aos meus avós Antonio e Maria: disciplina, hierarquia e honradez. Tarefa dada = tarefa cumprida. E assim fez seu mundo, mundo da correção onde cada um tinha seus atributos. Era assim que funcionava e que deveria funcionar. O professor ensina ou compartilha, o aluno estuda e pesquisa; o padre prega a palavra; o policial mantém a ordem; o prefeito torna o necessário possível...Mundo simples como meus pais. Mas, que funciona. Liberdade??? Sim, mas com responsabilidade. Liberdade sim, mas com respeito ao outro.
De que é feito um país??? Das pequenas-grandes lições de casa...da honradez mesmo que conquistada sob adversidades. Afinal, falta de grana não deveria ser motivo para suplantar os princípios que nortearam nossos ancestrais. De que é feito um país??? De nós, agora... e já. Não dá mais para esperar; o Brasil era o país do futuro...o futuro chegou.