Extinção de municípios é inconstitucional
Especialista em direito Administrativo, o advogado passo-fundense André Leandro Barbi de Souza foi protagonista na emancipação de vários municípios do Norte gaúcho. Auxiliou tecnicamente a elaboração de Leis Orgânicas de muitos deles. A Lei Orgânica de um município equivale a uma constituição, com normas e regramentos que só podem ser aplicados na esfera municipal. A pedido da coluna, ele analisou a proposta do governo federal em querer extinguir mais de 1,2 mil municípios brasileiros, com menos de 5 mil habitantes e com receitas próprias inferior a 10% do orçamento. De imediato, o especialista já identifica obstáculo constitucional para a medida ser aprovada. “Trata-se, na minha avaliação, de uma medida sem qualquer amparo constitucional, pois a única hipótese que a Constituição admite é a de intervenção. Se a ideia do governo federal fosse fazer intervenção, daí haveria plausibilidade, mas seria do Estado no Município, jamais da União no Município. Hoje já é assim, pois o art. 35 da CF, por exemplo, indica que o Município poderá sofrer a intervenção do Estado quando não tiver sido aplicado no mínimo 25% da receita municipal no desenvolvimento e na manutenção da educação infantil e do ensino fundamental. Portanto, extinção de município, de forma arbitrária, pela União, em razão de desequilíbrio fiscal, é absolutamente inconstitucional, mesmo que se trate de emenda à constituição”.
“Falência”
Evoluindo para o mérito, segundo Souza, a proposta do governo federal representa uma espécie de “falência” aos município que não alcançarem, até 2023, 10% de receita própria (IPTU, ISS ou ITBI). Segundo ele, também por este ângulo há um abismo entre a pretensão do governo e a CF. O art. 18 da CF assegura a autonomia local para o município gerir-se e o art. 156 indica os impostos que cabem para realizar a gestão tributária, que vai desde a formulação da correta base de cálculo para a respectiva cobrança até a efetiva arrecadação e destinação do recurso. “Passar por cima disso é atropelar a Constituição Federal”, completa.
Outras saídas
Além disso, adverte que a questão da administração pública e do equilíbrio fiscal não passa nem perto de “soluções” que prevejam extinções de entes públicos, “até porque, se tem municípios com desequilíbrio fiscal, tem Estados... Então por que não extinguir estados?”. No entendimento do advogado o ponto é um só: gestão. “Tem municípios pequenos que são muito bem administrados, tem municípios pequenos que são mal administrados. Assim é com municípios médios, com municípios grandes, com estados e com a própria União, em algumas pastas”.
Boa gestão
Ele entende que tecnicamente não é difícil o município pequeno chegar a 10% de sua receita própria até 2023. A questão toda, segundo ele, é a cultura do brasileiro. “Há exceção, mas na maior parte dos casos, a gestão pública é feita de forma amadora, sem controle, sem planejamento, no sistema do “apagar incêndio””. André menciona que o Brasil é o único país do mundo que tem um artigo de lei (LRF, art. 42) que proíbe um gestor público de entregar o mandato para o outro com dinheiro em caixa na mesma proporção das dívidas existentes, obrigando legalmente algo que deveria ser óbvio e normal. Conta que por conta disso foi questionado pelo professor Joaquim da Rocha, da Universidade do Minho, de Braga, Portugal, sobre porque precisa constar em lei essa regra, já que o normal seria um gestor que sai deixar em caixa dinheiro para que o gestor que entra possa pagar as contas. “Respondi que no Brasil ainda precisamos que seja assim”, disse.
Não é a solução
“A extinção de municípios pequenos não só é inconstitucional, como não é solução para nada, pois a folha de pagamento de servidores, as dívidas, as demandas de um município pequeno apenas migrarão para um município maior. Diminuiria o número de prefeitos, de vice-prefeitos e de vereadores e, mesmo assim, não resolveria todos os problemas”, finaliza.
Impacto
Governador Eduardo Leite já está enfrentando forte resistência ao pacote, com impacto no debate que se dará na Assembleia Legislativa. Além dos professores, que anunciaram greve a partir de segunda-feira, policiais civis também se organizam outros protestos para a próxima semana.