Quem sabe, antes de nos embrenharmos na defesa da necessidade de construção uma nova ética para lidarmos melhor com as grandes questões que afligem a humanidade, o que precisaríamos, de fato, não seriam uma nova ótica e uma nova óptica. É isso mesmo: uma nova ótica e uma nova óptica. Afinal, essas são as ciências que na física estudam o som e a luz e tem as suas contrapartes em biologia que tratam da audição e da visão. Pois, foi com o enfoque de, antes de qualquer coisa, “ouvir” e “ver”, que Roberto Crema (psicólogo e antropólogo da Unipaz/Universidade Internacional da Paz) elaborou a linha mestra da conferência magna que tive o privilégio de assistir no VIII Workshop de Editoração Científica provido pela Associação Brasileira de Editores Científicos, realizado em Campos do Jordão/SP, de 10 a 13 de novembro de 2014, sob o título “Liderança na área da autoria científica”.
"Ouvir” e “ver”, antes de qualquer coisa, são peças fundamentais por serem a base de hermenêutica (a ciência da interpretação) ou, para quem preferir, por estarem essas palavras expressas no primeiro mandamento das Leis de Deus e na tradição xamanística dos zulus na África do Sul. “Ouve/Escuta Israel!” (Deuteronômio 6:4-9) ou o “Shema Israel!” (da Torá) que formam a base do monoteísmo judaico-cristão dizem tudo. É pela relevância não só de ver, mas sentir a presença, nas relações interpessoais, que os zulus, em vez dos nossos protocolares cumprimentos - “bom dia/boa tarde/boa noite”, “como vai?”, “Oi, tudo bem?, “Olá, eu vou bem, obrigado/obrigada!”, etc. - , optam pela peculiar saudação “sawubona”, que significa “TE VEJO!”, e pela inusitada resposta “sikhona”, que literalmente traduz-se por “ESTOU AQUI!”. É isso. Simples assim: TE VEJO... ESTOU AQUI! E se foi o Senhor Deus que ordenou e se os Xamãs assim o querem, quem somos nós para questionar?
Roberto Crema tratou do exercício da liderança alheia aos cargos ocupados na hierarquia das corporações, que se dá, acima de tudo, pela escuta, pelo olhar e pelo sentir a presença do outro. Algo aparentemente simples, mas de difícil concretização prática no mundo das organizações, em que, não raro, são territórios em que reinam absolutos chefetes de plantão, cujo respeito que recebem dos pares não transcende os contornos dos cargos que ocupam. Entenda-se que escutar não é meramente ouvir. Audição é função biológica, mas a nossa referência é INTERPRETAR, que exige a pluralidade dos sentidos, num mundo que, metaforicamente, vivemos a crise da surdez, decretando-se a falência da hermenêutica. Precisamos, especialmente no universo científico, transgredir a NORMOSE, expressão forjada por Jean Yves Leloup na França e por Roberto Crema no Brasil, que significa a patologia da normalidade ou a doença da estagnação evolutiva, da qual muitos nós, mesmo imperceptivelmente, sofrem, quando nos deixamos dominar pelas coisas pequenas, pela mediocridade e pelo egocentrismo exacerbado, perdendo a capacidade de “ouvir” e “ver”, passando a atuar, por mais elevadas que sejam as titulações acadêmicas, como imbecis funcionais, que acreditam ser possível encontrar a solução dos problemas usando o mesmo paradigma que criou os problemas.
Roberto Crema tem uma fala suave e uma aura espiritualizada, estilo guru Nova Era, que, mesmo abusando de frases de efeito, cuja autoria original, para ouvidos atentos, pode ser facilmente identificada, se não nos convence, pelo menos nos deixa mais reflexivos. São referências, coisas como: “o maior perigo da humanidade é um cientista alienado” (Robert Oppenheimer); "vida é o que acontece enquanto estamos ocupados fazendo outros planos" (John Lenon); e “é preciso parar o mundo para conseguir ver” (Carlos Castañeda, A erva do Diabo, 1968). E as que eu não consegui identificar as fontes: “todo mundo quer renascer, mas ninguém quer morrer”; “nós não nascemos humanos, nós nos tornamos humanos”; “acenda uma vela em vez de apenas reclamar da escuridão”; e, a minha preferida, “ressentimento é um veneno que a gente bebe e fica esperando que o outro morra”.