O ministro Paulo Guedes, com o aval da Presidência da República, está propondo que sejam extintos os municípios com menos de cinco mil habitantes e que não comprovem, até 30 de junho de 2023, sustentabilidade financeira, mediante o alcance de arrecadação própria superior a 10% de receita própria.
Não há, na justificativa que acompanha a Proposta de Emenda à Constituição, que prevê esta medida, em que proporção ela representa alguma “solução” para a crise fiscal do País, tampouco o fundamento jurídico que a respalda.
A Constituição Federal prevê autonomia para o Município atuar junto às questões que predominantemente tenham interesse local, admitindo, apenas, se o exercício desta autonomia não observar os princípios de gestão pública, intervenção, mesmo assim, do Estado no Município, jamais da União no Município. Por exemplo, o art. 212 da Constituição Federal determina que o Município deve investir, no mínimo, 25% do que arrecada na manutenção e no desenvolvimento do ensino. Se isso não for feito, abre-se a possibilidade de o Estado (não de a União) intervir no Município. Esta é uma questão pactuada soberanamente na Constituição Federal.
Na proposta de Paulo Guedes, não há, nem mesmo, previsão de consulta plebiscitária para extinção de Município, mas uma espécie de “degola” feita diretamente pela União, sob o argumento da insustentabilidade financeira. Trata-se de uma “solução” que beira a ingenuidade – o que não se acredita -, pois se isso fosse realmente uma medida eficiente também teria que extinguir municípios com mais de cinco mil habitantes, estados, ministérios e demais órgãos públicos que tenham desequilíbrio em suas contas.
Além de inconstitucional, a proposta de extinção de municípios é ineficaz, pois, na prática, representará apenas uma transferência de passivos. A folha de pagamento, as dívidas, a defasagem de patrimônio, as demandas... Não desaparecerão, mas migrarão para outro Município, que não terá, por isso, acréscimo de receita. É oportuno, neste sentido, comentar o estudo de dados feito pelo jornal Folha de S. Paulo, que apontou que 56% dos municípios com menos de cinco mil habitantes têm a Prefeitura como maior empregador. Esses servidores não poderão ser exonerados, terão que ser recepcionados em outro Município, com o respectivo custo operacional de seu vínculo.
A questão da sustentabilidade financeira de qualquer órgão público não passa pela sua envergadura ou, no caso de municípios, pelo número de habitantes, mas pela competência no exercício da gestão pública. Há municípios, estados e ministérios que são bem e que são mal administrados... Tem estatais que são bem e que são mal administradas... A Petrobrás, com todo o seu potencial de mercado, é um exemplo recente de sucesso e de fracasso no atendimento de seu papel, considerando a qualidade de sua gestão, mesmo tendo sustentabilidade financeira.
Por fim, um esclarecimento: poderia uma emenda à Constituição Federal, que inclui conteúdo na própria Constituição Federal, ser inconstitucional? Sim, pois dentro da Constituição Federal há hierarquia de matérias. Havendo colisão entre a matéria que se quer inserir com matéria de hierarquia superior, dentro da Constituição Federal, haverá configuração de inconstitucionalidade. Há precedentes do STF, neste sentido.
André Leandro Barbi de Souza*
*Sócio-diretor do IGAM, advogado com especialização em direito político, sócio do escritório Brack e Barbi Advogados Associados