Ainda que ninguém leve mais a sério as teorias conspiratórias, surgidas no século XIX, que levantavam dúvidas sobre a autoria das obras de William Shakespeare, talvez, pelos tempos que ora vivemos, que são pródigos para o ressurgimento de velhos mitos (Terra plana, Beatles versus Adorno e outros quejandos), valha a pena saber um pouco mais sobre o Bardo de Stratford-upon-Avon, antes de sair por ai a replicar, pelas redes sociais, coisas que, apesar de soarem inteligentes, não passam de bullshit (nada mais que merda).
William Shakespeare (1564-1616), ator e dramaturgo inglês, escreveu 38 obras dramáticas, além de sonetos e poemas narrativos, cujo conjunto, levou ao crítico literário Harold Bloom (1930-2019) a defini-lo como O CÂNONE ou, simplesmente, aquele que estabeleceu o padrão e os limites de toda a literatura. Então, sobre um escritor sem passagem por Oxford ou por Cambridge, o berço intelectual da elite inglesa, que não deixou manuscritos e cuja aparência infere-se de dois ou três possíveis “retratos” que sobraram; não seria descabido que surgissem controvérsias.
Entre os criadores dessa mitologia, destaque para a escritora americana Delia Bacon (1811-1859) cuja tese acabaria esposada por gente como James Joyce, Charles Dickens, Mark Twain e Sigmund Freud, que, como anedota não confirmada, dizem que o seu famoso Complexo de Édipo, não fosse por Delia Bacon, teria se chamado Complexo de Hamlet. No grupo dos ghostwriters do Bardo, três nomes surgiram com mais força: Sir Francis Bacon, Christopher Marlowe e Edward de Vere. Nenhum tem sustentação. Os sonetos conhecido de Bacon, que levam a sua assinatura, são medíocres comparados com os de Shakespeare. O dramaturgo Christopher Marlowe, autor de destaque na cena teatral londrina do século XVI, morreu em 1593 e muitas das obras emblemáticas de Shakespeare datam a posteriori. Restou Edward de Vere, 17º Lorde de Oxford, o mais credenciado dos candidatos e que angariaria mais simpatizantes, uma vez que, pela sua posição social e as leis da época, teria preferido escrever sob o pseudônimo Shakespeare. Também não tem sustentação essa tese, uma vez que a causa atribuída, a “Poor Law Act” (a Lei dos Vagabundos), não seria aplicável a um nobre.
Acrescentam os defensores de que Shakespeare teria sido um embuste literário, que a temática e o vocabulário da língua inglesa usados na sua obra seriam abrangentes em demasia para uma só pessoa e que a descrição dos locais de Verona, onde se passa Romeu e Julieta, e de Veneza, sede de Otelo e de O Mercador de Veneza, seria impossível para um autor que não tivesse visitado aquelas cidades.
Ignoram os que defendem esse tipo de tese que, apesar de ter nascido no interior da Inglaterra, ser filho de pais analfabetos e não ter passado por Oxford ou Cambridge, Shakespeare estudou num colégio público modelar, o Stratford Grammar School, onde teve acesso aos escritos clássicos de Ovídio, Cícero e Virgílio. E que, depois do casamento com Anne Hathaway, ocorrido em 1582, ele foi tentar a vida como ator e autor de teatro em Londres. Isso teria ocorrido por volta de 1887, quando ele passou a trabalhar como auxiliar num escritório de advocacia ou de um juiz. O que explicaria o seu conhecimento jurídico e a razão de cenas de julgamentos fazerem parte de pelo menos dois terços de suas peças. E para entender porque Shakespeare é tão caro para o Direito, sugere-se o livro “Medida por medida: o Direito em Shakespeare”, de José Roberto de Castro Neves, 6ª edição, 2019, pela Nova Fronteira.
O fato é que William Shakespeare, em Londres, fez sucesso como ator e autor de teatro, virou empresário da área, contou com o beneplácito de suas majestades Elizabeth I e James I, ganhou dinheiro, voltou para sua terra natal em 1609 e lá morreria em 1616. E para acabar de vez com a discussão se Shakespeare existiu ou não, em Julgamento simulado em Washington (EUA, 1987), três juízes da Suprema Corte, no caso denominado “In re Shakespeare: The Authorship of Shakespeare on Trial”, decretaram o reconhecimento que William Shakespeare, ele mesmo, era o autor das suas obras.
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