Quem tem assistido os noticiários de televisão sobre os alagamentos e chuvas intensas que ora estão acontecendo em Belo Horizonte, invariavelmente, tem se deparado, nas falas dos meteorologistas, com a expressão Zona de Convergência do Atlântico Sul, designada pela sigla ZCAS (leia-se zacas) e o seu papel nesse tipo de excepcionalidade do clima. Afinal, que é ZCAS? Como se forma? Quando atua? Em que partes do País exerce influência?
Aquela banda de nuvens, facilmente observável nas imagens de satélite, orientada de noroeste para sudeste, que se estende desde a Amazônia até o sudeste do Brasil e, frequentemente, também atinge parte do Oceano Atlântico subtropical, é o que se convencionou chamar de Zona de Convergência do Atlântico Sul ou, simplesmente, de ZCAS. As primeiras observações desse fenômeno, evidentemente, foram feitas após o advento da era dos satélites meteorológicos. O diagnóstico da sua existência começou nos anos 1970 e avanços significativo de conhecimento aconteceram nos anos 1980 e 1990.
A formação da ZCAS começa, em geral, com a intensificação da atividade convectiva (transporte vertical de energia na forma de calor latente e a decorrente formação de nuvens) no oeste da bacia Amazônica, no mês de agosto, e se põe em marcha rumo ao sudeste do País. Então, não é sem razão, que as chuvas, nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, com a formação da ZCAS e o escoamento convergente de umidade na baixa troposfera, comecem, de forma mais sistemática, em termos médios, a partir de meados de outubro e atinjam o clímax, com os eventos mais intensos de precipitação, entre os meses de dezembro e fevereiro; acompanhando a atividade da ZCAS. Nos meses de março e abril tem início o enfraquecimento da atividade convectiva na região tropical e, como corolário, a estação seca no sudeste e centro do Brasil começa a se delinear, sendo que, em muitos locais do bioma Cerrado, entre abril e setembro, praticamente não chove.
A regularidade das chuvas nas zonas tropicais e subtropicais de boa parte do território brasileiro é influenciada pela ZCAS. Mas, mesmo que a ZCAS marque presença em todos os verões, em função do caráter dinâmico da atmosfera, há variação na sua organização espacial e na intensidade das chuvas associadas, podendo configurar situações extremas como as que têm sido observadas nesse início de 2020. Às variações de atividade da ZCAS, não raro, podem ser atribuídos os desastres naturais envolvendo alagamentos, deslizamento de encostas, etc., bastante comuns, nos inícios de ano, nas áreas mais densamente habitadas do País, em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Por outro lado, a não formação da ZCAS também pode determinar ausência ou supressão de chuvas, causando estiagens e problemas para a agricultura, dificuldades de abastecimento de água para a população e limitações na geração de energia elétrica, nas regiões Centro-Oeste e Sudeste. A ZCAS, depreende-se, é fundamental para a regularidade do regime de chuvas em vastas áreas do Brasil. O que não se quer ou se espera são deformações na intensidade e na atuação da ZCAS.
São muitas as teorias que buscam explicar a localização e as características da ZCAS. Desde as monções tropicais e o seu papel na manutenção das zonas de convergência subtropicais e, especialmente, o aquecimento adiabático (transporte de energia sem trocas com o meio) na bacia amazônica, cuja localização e intensidade dessa fonte de calor podem influenciar os padrões de convecção, a forma da ZCAS e o posicionamento dos seus ramos de ascensão de ar úmido e de subsidência (descida de ar seco). As anomalias opostas de chuvas, entre o sul e o sudeste do Brasil, no verão, com estiagens na região Sul e excesso de chuva na região Sudeste, podem, algumas vezes, estar atreladas às assimetrias da ZCAS, especialmente quando a sua atividade é mais intensa sobre o oceano e o ramo de subsidência atinge o sul do País (além do Uruguai e norte da Argentina).
Quando são combinados ZCAS intensas e vulnerabilidade social causada por pobreza extrema, não tem jeito, o Diabo sempre vence!