Uma folha de ofício com a fotografia impressa de um terreno alagado é a única lembrança física que as 20 famílias da Vila Popular têm do local que começou a ser ocupado há mais de 30 anos. O documento, anexado ao processo de defesa, é segurado pelas mãos da costureira Lúcia Fernandes. Em frente ao Fórum de Passo Fundo, ela e mais 18 residentes da área aguardavam a audiência de conciliação junto à Defensoria Pública, o Município e os proprietários do terreno, na manhã de ontem.
Na pasta plástica que trazia consigo, Lúcia reuniu todas as provas materiais que conseguiu, entre elas uma conta de luz emitida em 2005 em nome de Adílio Fernandes - um dos primeiros moradores da localidade, para atestar os vínculos que as 60 pessoas nominadas no processo de desocupação possuem com a área. Eles apresentaram uma proposta de compra da área durante a mediação judicial. “Os moradores pediram que a Prefeitura os ajude com a compra declarando a desapropriação da área”, explicou o advogado, Leandro Scalabrin, que atua na representação dos réus. “O advogado do proprietário e o representando ficaram de estudar a proposta”, completou.
Com uma nova audiência agendada para o dia 2 de março e sem mencionar valores, que segundo Scalabrin “estão sendo avaliados pela Prefeitura”, as negociações devem ter continuidade em um processo que teve início em 2003. “Nós ficamos surpresos porque construímos em uma área de banhado que não pertencia à delimitação”, contou o morador, Rosalino Pot. Aos 45 anos, ele foi o primeiro a construir uma moradia na área. A paixão por cavalos, estampada no boné que cobria a cabeça do lado de fora da sala de audiência enquanto aguardava as orientações, se converteu em profissão em uma peça a mais, em anexo aos oito cômodos que divide com a esposa e os dois filhos. Além da casa, um galpão serve de abrigo para os animais que cria na propriedade de 25x20 m². “70% do terreno da área é construído”, disse.
Relembre o caso
Em julho do ano passado, a 3ª Vara Cível da Comarca de Passo Fundo expediu um mandado de reintegração de posse em três áreas particulares localizadas no Loteamento Vila Popular, em Passo Fundo.
A decisão em terceira instância foi mantida desde que as partes recorreram da primeira sentença, há cerca de dois anos. No último parecer judicial, ajuizado contra 13 moradores da localidade, a determinação de desocupação dos lotes urbanos números 03, 04 e 05, paralelos à rua Havay e sem numeração definida, foi concedida pelo juiz João Marcelo Barbiero de Vargas, titular da Comarca de Passo Fundo. Segundo o texto-base, as propriedades privadas foram adquiridas através de herança comprovada pelos proprietários, residentes em Porto Alegre, através de três Certidões de Registro de Imóveis.
Ainda conforme o documento, em agosto de 2002, os 13 moradores iniciaram um processo de ocupação dos terrenos “sem qualquer autorização dos proprietários”. “No decorrer dos três próximos meses, agravou-se a situação tornando-se insuportável a tentativa amigável no sentido de evitar tal invasão e diversos danos com construção de casas”, destaca um dos parágrafos do processo.