Era uma vez um funcionário público chamado João do Conto. Depois de ser aprovado no concurso de um município para o cargo de técnico contábil, apresentou-se na prefeitura, tomou posse e o secretário de administração, que o recepcionou, lhe mostrou o local de trabalho e solicitou que aguardasse um pouco, que logo outro servidor viria lhe orientar sobre suas atividades. Sua remuneração inicial era de R$ 2.800,00.
Passou um dia, dois... E João do Conto seguia aguardando a vinda de outro servidor para lhe orientar. No terceiro dia, frustrado com a demora, João do Conto apresentou-se aos colegas e solicitou auxílio. Alguns se dispuseram a ajudá-lo, mas teria que ser “quando desse”. João do Conto, então, foi observando e, “do jeito que dava”, foi realizando suas tarefas, sem qualquer retorno sobre seu desempenho funcional, inclusive, se fosse o caso, com relação a eventuais correções.
O tempo foi passando e João do Conto, incomodado com aquela situação, procurou o secretário de administração para ver a possibilidade de ele receber algum treinamento. João do Conto queria entender o seu trabalho, a finalidade do que fazia e até se o que fazia era correto... O secretário respondeu que “iria ver, talvez fosse possível, mas financeiramente a coisa estava feia na prefeitura”.
João do Conto seguiu sua rotina, o tempo foi passando, um ano, dois anos... No final do terceiro ano, o secretário de administração entrou na sala de João do Conto e lhe comunicou o estágio probatório e a realização de avaliações de desempenho funcional. Avaliação, desempenho, estágio probatório... João do Conto tentou lembrar de quando isso lhe teria sido informado, mas não conseguiu, pois na verdade ele não recebeu, naqueles três anos, qualquer orientação ou explicação sobre o que era e como seria esse “tal” de estágio probatório. Ficou preocupado, especialmente quando soube que as avaliações seriam feitas pela chefia imediata. A sua chefia era cargo em comissão, houve várias trocas e o atual chefe nunca tinha conversado com ele ou se interessado pelo que ele fazia.
Procurou, pois, o chefe, e revelou a sua apreensão, mas logo foi tranquilizado. Disse o chefe: “não se preocupa João do Conto, isso é só uma formalidade, nós vamos fazer as avaliações retroativas e tudo dará certo”. E, de fato, foi isso que aconteceu... João do Conto foi aprovado em seu estágio probatório, sem qualquer ressalva ou recomendação, apenas com “ótimo”, “ótimo” e “ótimo”... Estabilizou-se no serviço público. Mas João do Conto não se acomodou, decidiu ir adiante, fez graduação em ciências contábeis e pós-graduação em contabilidade pública. Aceitava realizar todas as tarefas que lhe fossem solicitadas... Aprimorou-se, evoluiu.
O prefeito, reconhecendo o esforço de João do Conto, resolveu lhe dar uma gratificação de função de R$ 1.400,00, que se somou aos R$ 2.800,00, que ainda era a sua remuneração, mesmo com a graduação e a pós-graduação concluídas. E assim se passaram mais oito anos até que um novo prefeito foi eleito, prefeito este que era oposição ao prefeito anterior. A primeira coisa que o novo prefeito fez foi chamar João do Conto em sua sala para informá-lo que ele não teria mais a gratificação porque ele, João do Conto, era do “grupo do prefeito anterior”, e agora essa gratificação seria dada para alguém que fosse “do seu grupo”. João do Conto argumentou que ele só quis fazer bem o que lhe cabia. Não adiantou! João do Conto retornou, então, para sua sala, “fechou a porta” e seguiu trabalhando, mas não viveu feliz para sempre!
... Ainda bem que João do Conto é só um conto!
André Leandro Barbi de Souza
Fundador e Sócio-diretor do IGAM, Advogado e Professor com Especialização em Direito Político, Sócio do escritório Brack e Barbi Advogados Associados.