OPINIÃO

Em tempos de pandemia

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As lideranças da bem sucedida campanha que obteve a emancipação ainda não havia se conformado com a decisão do governador Antônio Augusto Borges de Medeiros, de instalar a sede do município em Paiol Grande quando souberam que a “Influenza Espanhola” se alastrava pelo país. Com um dia de atraso os jornais de Porto Alegre, Santa Maria, Cruz Alta e Passo Fundo chegavam a Estação Erechim da estrada de ferro, de onde eram transportados por carroça até o núcleo urbano instalado a partir de 1909 na margem do Rio dos Índios, rebatizado tempos depois para Abaúna, atual cidade de Getúlio Vargas.

 

II - Os periódicos e o telégrafo eram o único canal de comunicação disponível em 1918. A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, precursora da rádio difusão no Brasil só seria fundada por Roquete Pinto na capital federal, em 1922. As informações acerca da Grande Guerra, que chegaria ao fim no dia 11 de novembro daquele ano, e também a tragédia da Gripe Espanhola, que matava muito mais do que o conflito, eram recebidas através da correspondência dos familiares e amigos da Europa. Também pelo trem, a mala postal chegava com regular atraso no incipiente município.

 

III - O vírus chegou ao Brasil a bordo do navio Demerara, procedente da Europa com escala em Dakar. Passageiros infectados desembarcaram nos portos do Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Em menos de trinta dias o país inteiro já sofria aquela, que até o momento, foi a mais devastadora epidemia da sua história. Os jornais que chegam a Erechim, 2º Distrito do município com o mesmo nome, são ansiosamente aguardados. Nos hotéis, barbearias, açougues e até na via pública, os periódicos são lidos em voz alta. E nem todos os curiosos entendem do que se trata: muitos só falam a língua natal.

 

VI - Até o ano de 1925, quando é fundado o Hospital São Roque, o atendimento médico e hospitalar mais próximo era oferecido em Passo Fundo. Como em todo o país as aulas públicas foram suspensas e o comércio cerrou suas portas. Purgantes preparados à base de limão, alfazema, coco, cebola, vinho do porto, sal, cachaça e fumo em rolo eram utilizados em vão. As farmácias ofereciam aspirina fenacetina, anunciada nos jornais pela Bayer como “tiro e queda”. Com a assinatura do Dr. Alberto Seabra, o remédio homeopático chamado “Gripina” teve o preço majorado ao extremo, como agora em épocas de Covid-19, com o álcool de gel.

 

VII - Como não podia deixar de ser, o flagelo atingiu desde os mais humildes até os mais abastados. Eleito em março, o presidente Rodrigues Alves não assume o posto. Os jornais registraram: “presidente eleito cai de cama espanholado e não toma posse”. Com sua morte em janeiro de 1919, uma eleição fora de época é convocada. Uma série de projetos de lei, como a aprovação automática de todos os estudantes, sem exames finais, são debatidas no Congresso Nacional. Nem foi preciso à aprovação pelo Senado e pela Câmara, e no mês dezembro Delfin Moreira, presidente interino, baixa um decreto e nenhum aluno repetiu o ano.

 

VIII - O efeito da espanhola a mais de um século pode ser mensurado palas manchetes da Gazeta de Notícias: “O Rio é um vasto hospital; O povo sofre os horrores da exploração; A desídia criminosa do governo...”. Para o alívio da nação a imprensa registra em dezembro de 1918 que os contágios estão em queda. Da mesma maneira como chegou, à gripe espanhola desapareceu. O grau de infecção fora tão grande entre setembro e novembro, que praticamente todos já haviam sido contaminados. Como não podia deixar de ser, o Carnaval de 1919 foi à catarse do horror vivido desde o mês de setembro. Que agora com o coronavírus, sejamos todos responsáveis e cumpridores das normas estabelecidas.

 

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