Mentira tem perna curta
Gosto muito de relembrar lições da infância, ditos populares reproduzidos como mantras. Um deles me acompanha até hoje: ‘mentira tem perna curta’. Batata! As travessuras nunca passavam incólumes a esse ditado. Os adultos sempre descobriam quando as crianças tentavam acobertar uma arte. A realidade nua e crua é a única que pode confrontar e desmascarar uma mentira. Aplicado à vida adulta o ditado nos pega de jeito e nos obriga a uma reflexão em confinamento, assistindo aos horrores de uma guerra cujo inimigo invisível pode atacar a qualquer momento. E o resultado deste ataque é uma roleta russa. O inimigo é tão cruel que não escolhe a quem atacar: rico ou pobre, preto ou branco. Em cada corpo um comportamento diferente. Haveremos de tirar muitas lições deste momento. A primeira delas é que nada será como era ou é.
As máscaras caem
O cientista político português João Pereira Coutinho, convidado do podcast Café da Manhã desta quinta-feira, 02, (disponível em plataformas de streaming como spotify) faz uma análise brilhante sobre os efeitos do coronavírus na política mundial. Diz ele: “Se este vírus tem alguma virtude é o de mostrar a diferença entre o original e a cópia. Faz uma distinção muito clara entre políticos capazes, responsáveis (os originais) e aqueles que são farsas, incompetentes. É um vírus muito eficiente, pois ele faz com que as máscaras caiam. Foi evidente com Donald Trump, de tal forma, que mesmo com sua fanfarrice ficou claríssimo o despreparo, irresponsabilidade e a incapacidade de lidar com a realidade”. O presidente norte-americano foi obrigado a ceder das bravatas diante da realidade. Os EUA estimam perder 200 mil pessoas com a pandemia.
Não é gripezinha
A lógica também se aplica ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que está sendo forçado, a contragosto, a aceitar de que não se trata de uma gripezinha, “que precisa ser enfrentada como homem e não moleque”. Apesar de todos os números (vamos falar deles adiante) o presidente não se convence de que o isolamento social é estratégia para evitar mortes e o colapso do sistema de saúde. Por isso, é forçado ao isolamento político, sendo alvo das maiores críticas internacionais. Porque não há como desmentir uma verdade. A realidade confronta a mentira. Bastaria que, ao invés de contestar a ciência, fizesse o que tem que ser feito que é dar condições para os setores produtivos suportar os dias difíceis que enfrentaremos.
A vida em primeiro lugar
Preocupar-se com a economia é dever do gestor. Mas antes dela, é dever preservar vidas. Difícil medir o impacto econômico neste momento, mas ele não será mais devastador do que a perda humana. E Coutinho diz que as perdas são imensuráveis, sem comparação com crises globais da história. É uma situação singular e compara este momento com um filme de ficção científica: Em um dia todos estávamos produzindo e consumindo. De uma hora para outra, as ruas ficaram vazias e as pessoas se recolheram. Parou a produção, não se consome na mesma velocidade. Será que vamos voltar a vida normal depois que tudo passar? Certamente não e os números são a prova.
A matemática do coronavírus
Fábio Barão é professor da UPF, formado em administração e mestre em Engenharia. Em entrevista ao programa Café Expresso da Rádio UPF e UPFTV, ele explicou o que é uma progressão exponencial (usada para ajudar os cientistas e técnicos a acompanhar a evolução de pandemias como a do coronavírus e a montar estratégias de combate). Segundo o professor, sem isolamento social, uma pessoa normal entra em contato de 1,4 ou 2,5 pessoas por dia – taxa de replicação. O período de incubação do vírus é de 5,1 dias. Num mês de 30 dias, ele tem seis ciclos. Se uma pessoa entra em contato com até 2,5 pessoas por dia – no final do mês ela teria infectado 244 novas pessoas. Com isolamento, se reduzirmos o contato para 1,5 pessoas, o contágio cai para 3,8 casos no mesmo período. Esse cálculo é usado para defender o isolamento social porque precisamos dele para achatar a curva. Isso não significa que não seremos infectados pelo vírus. Sim, deveremos ser, porque é um vírus novo e precisamos anticorpos. O achatamento da curva é para que não aconteça uma contaminação em massa. O sistema de saúde não comporta e seria uma catástrofe.
Os exemplos
Vamos olhar para o que está acontecendo na Itália, Espanha e Estados Unidos. E, de forma muito mais dramática, para o que está acontecendo no Equador. As famílias são obrigadas a ficar com os mortos por dias dentro de suas casas. Muitos abandonam os corpos nas ruas por não ter onde e como enterrar. Será que é tão difícil de entender que as medidas adotadas por prefeitos e governadores do país são fundamentais neste momento e buscam evitar tragédias como as que estamos assistindo? Qual parte de tudo isso você ainda não entendeu?
Devo explicações
Eu tinha outros planos. Mas eles foram atropelados por um inimigo invisível chamado coronavírus que, neste momento, bagunça de forma dramática o mundo, matando pessoas, desequilibrando economias e colocando em xeque a política e políticos. Não seremos mais os mesmos daqui para frente. O mundo está sendo forçado a mudar. Nem mesmo os mais competentes especialistas conseguem prever o que vai acontecer. Por conta disso, não quero ficar de fora desta transformação. De volta às páginas de ON depois de ter me despedido da coluna no fim de janeiro, agora como colaboradora, somando esforços junto aos colegas jornalistas que integram a equipe. O jornalismo é essencial neste momento para levar a informação baseada em fontes oficiais, fazer análise e desvendar os bastidores. E os bastidores nos dizem muito sobre muitas coisas. Ficarei o tempo que for preciso. Sem pressa.