Sobre o novo coronavírus (SARS-CoV-2), que tem sido o responsável pela doença Covid-19 que ora se espalha pelo mundo e atingiu grau de pandemia, parafraseando o que escreveu o estatístico George E. P. Box sobre a construção de modelos empíricos, poderíamos assumir que todas as previsões que estão postas por ora, desde aquelas que afirmam não passar de uma “gripezinha” até as que pregam o fim do homem na Terra, estão erradas; mas, evidentemente, algumas são úteis.
Os leigos na área médica, entre quais estão o colunista e muitos dos seus leitores, como seria natural, têm dificuldade para lidar e entender previsões epidemiológicas. E ainda mais quando a falta de consenso, natural ou intencionalmente posta a público, aflora nas falas de autoridades políticas ou de representantes de grupos de interesse.
Não são raros os exemplos de previsões de epidemias virais catastróficas que não se concretizaram. Tomem-se as previsões iniciais de H1N1, em 1976, nos EUA, cuja proposta de vacinação em massa e outros gastos, muitos atribuem ter sido responsável pela derrota de Gerald Ford para Jimmy Carter, e aquelas de 2009, também para H1N1, que chegou a ser classificada como pandemia nível 6 pela OMS. No caso de H1N1, justifica-se a precaução pelo temor da gripe espanhola, que no rastro de três ondas, entre 1918 e 1920, afligiu um terço da humanidade e deixou um rastro de 50 milhões de mortos no mundo.
As doenças infecciosas têm propriedades que tornam a sua previsão difícil e, muitas vezes, pouco precisa. Um dos erros que os leigos são acometidos nesse tipo de análise é incorrer em extrapolações, que supõem lineares, de uma variável que cresce em escala exponencial. Mas, quem possui pelo menos o ensino fundamental completo, age assim por não ter prestado atenção nas aulas de matemática que algum professor carrasco tanto se esmerou para explicar que as tais funções exponenciais eram aquelas que quando plotadas em eixos logarítmicos viravam retas (retas assustam menos) ou ensinava progressão geométrica como um caso especial de função exponencial de domínio discreto.
É fato notório, seja nas falas ou nos artigos publicados, que os epidemiologistas da área médica usam modelos teóricos mais complexos do que alcança a vã filosofia da maioria de nós. Umas das variáveis muito comentadas no momento, envolvendo a Covid-19, é a tal Ro ou número básico de reprodução, que é o indicador de quantas pessoas saudáveis podem pegar a doença a partir de um único individuo infectado. Na prática, para qualquer Ro maior do que 1, na ausência de quarentena ou de vacina, toda a população, mais dias ou menos dias, será atingida. Outra variável de interesse é a taxa de letalidade.
Sejamos pacientes, pois sobre o SARS-CoV-2 muitas respostas ainda estão sendo buscadas. Outra variável que tem sido bastante discutida é a taxa de casos fatais da Covid-19. Uns especialistas acham que essa taxa está subdimensionada, que assim se estaria menosprezando a ameaça potencial para os pacientes com sintomas, e outros pensam o contrário. Marc Lipsitch, autoridade no assunto, da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, considera razoável um valor entre 1 e 2 % para os caso sintomáticos.
O melhor entendimento da severidade e da transmissibilidade da Covid-19 ainda está sendo construído. Há casos desde os assintomáticos, os com sintomas leves, os com sintomas severos, os que requerem hospitalização até os que são fatais. Qual é o papel efetivo dos assintomáticos na transmissão? Se a transmissão fosse exclusiva dos sintomáticos, a quarentena bastaria. Mas e se os sem sintomas são os transmissores efetivos do vírus? Então se justifica, cada vez mais, o distanciamento social e proibir aglomerações de pessoas, que ora são tão criticados no Brasil.
Historicamente, as previsões de epidemias têm errado a nosso favor. Mas, vá que o erro agora seja contra nós! Então, enquanto não avança o conhecimento dessa nova doença, definindo-se o protocolo do tratamento clínico ou a vacina salvadora, parece salutar dar mais atenção a previsões que nos façam ter medo. Muito medo! Por ora, essas são as úteis.
OPINIÃO
Todas as previsões estão erradas, mas algumas são úteis
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