No momento em que estamos todos atormentados por incertezas decorrentes do Covid-19 sofremos o sobressalto inescrupuloso de descabidas elucubrações em tese conspiratória planetária. Em meio a atentados contra a democracia constitucional, nos célebres borboleteios presidenciais, Eduardo Bolsonaro junta sua capacidade sociológica ao chanceler Ernesto Araújo. E Araújo (reproduzindo Olavo de Carvalho) dispara mais golfadas de fumaça visando causar estrépito na política nacional. A angústia mundial e do Brasil é o Coronavírus que isola fisicamente o povo. Pois bem, quando se esperava efetiva participação do chanceler, nada veio em socorro à urgência do país.
A comunidade médica, enfermeiros e todo o aparato logístico que labuta heroicamente no tratamento da pandemia sofre dolorosas perdas pela falta de equipamentos de prevenção. Máscaras e aparelhos para aferir a contaminação que se alastra estão faltando. No reaparecimento de Araújo não consta sua principal obrigação que é conseguir respiradores, leitos hospitalares, nem prioriza dever de ajudar promovendo alianças para resgatar a economia.
A manifestação feita em rede pela internet concentra desvario de combater factóide que denomina “forças ideológicas comunistas” na OMS. Araújo, ausente em necessários debates mundiais, depois de vezeiro cochilo surge com ares proféticos. Anuncia ao mundo que a pandemia é instrumento inventado para construir um mundo sem nação, sem liberdade, dirigido por uma agência central de solidariedade. Desaprova tudo o que vem orientado pela organização que representa as nações e denuncia como estratégia para vigiar, um estado de exceção global, transformando o mundo num grande campo de concentração.
Para o chanceler, a esquerda mundial seqüestra o conceito de solidariedade. Denomina o ritual contagiante do mundo que quer sobreviver, simplesmente “solidariedade comunista planetária”.
O chanceler Araújo, seguindo estranha cartilha que mais parece simulacro do discurso de Trump, rebela-se a interpreta Zizek como arquiteto do novo comunismo. Tudo isso por não compreender a onda aflitiva de sobrevivência da vida humana que deflagra a solidariedade. Parece que ele e seus seguidores teocratas foram surpreendidos com os gestos de fraternidade, proclamados pelo Papa, pela Alemanha, Inglaterra e outras nações. Este sentimento, alheio aos boletos dos cultos meramente arrecadatórios, não pode ser concebido pelo avanço neoliberal.
Para os novos gurus do governo federal, os pobres não devem submeter-se à ajuda do estado, nem à ajuda mútua das comunidades. Não conseguem admitir que a própria China, com todas suas mazelas, mostrou ao mundo um lado de superação, indicando que está a caminho da retomada da economia, mesmo diante do enorme sacrifício de seu povo nação.
A inveja ideológica tomou conta dos pretensos novos gurus do mundo. Quando a pandemia mostrou sua gravidade na China, subestimaram a vertente etiológica e estóica que supera erros dos regimes chineses. Araújo dispensa cuidados na missão de manter boas relações com a China, hoje nosso principal parceiro consumidor. Se essas mentes, de duvidosa ilustração, estivessem pensando na soberania do Brasil, certamente estariam falando nos avanços pedagógicos que resultaram no ensino e na educação básica dos chineses. Seria inteligente resposta ao ensino público nacional.
E, quanto aos decantados motes de liberdade, é preciso lembrar que as manifestações em favor de ditadura ocorridos em Brasília, não foram contestados pelo nosso chanceler. Esse é o pensamento democrático? Criar um medo fantasma é tentativa lúgubre, nesta hora, que não é lícita a quem quer se sustentar no poder. É péssimo criar novos abismos.
Os sinais de perigo levaram a ciência médica às primeiras providências. Parece que ficar em casa rendeu alguma gordura perante o cenário ditado pela pandemia. Por isso é hora de mantermos suma atenção para as próximas etapas previstas. Centralidade. O restante a gente arruma depois. O momento é de atender o alerta do perigo, como diz Horácio “Tua res agitur, cum paries proximus ardet” (Salva tuas coisas quando perceberes que a parede do vizinho está em chamas).