Quero falar de Flavio, hoje. Poderia ser dos colegas médicos Korb e Cé, poderia ser de Flavio Bicudo que vi jogar pelo Pelotas ali no Vermelhão. Mas, hoje falo de Migliaccio que, aos 85 anos, cometeu suicídio. Migliaccio encantou a gente na novela O Primeiro Amor (junto) junto ao grande ator Paulo José personificando o personagem Xerife. Depois, mereceram minissérie até 1974. Paulo José, acometido de doença degenerativa cerebral, é um dos atores que empresta verniz a qualquer produção, como era Armando Bógus e Zé Wilker. Diziam na Globo, caso uma produção estivesse mal das pernas: chame o Bógus, chama o Zé, chama Paulo José. Paulo José sempre foi denso tanto no teatro (com Guarnieri, Lima Duarte, Paulo Autran...) quanto na TV. Respinga em minha memória o domingo em que morreu Charles Chaplin em que Paulo José fez um monólogo inesquecível de despedida (no Fantástico) ao grande mago da comédia. Carlitos era um palhaço triste como Robin Williams, também suicida, após não suportar os sintomas de Alzheimer. Esses seres que habitam nossos universos de repente vão embora natural ou deliberadamente.
Meu pai, se vivo estivesse, teria 86 anos, um ano a mais que Flavio. Meu pai dissera que não sabia o que era depressão porque era tal qual o Unibanco, ou seja, trabalhava 30 horas por dia; às vezes, até mais: “levanto 1 hora mais cedo que é para trabalhar 25 horas por dia”. Dizia, depressão não é para peão. Talvez estivesse certo porque seu trabalho era manual, não era das cabeças pensantes, não era da arte, da encenação, não era dos grandes autores e nem do encantamento. Seus pensamentos não eram para questões universais. Meu pai era da era Dunga, nunca conheceu facilidades, sempre trabalhou no entrevero.
Migliaccio desistiu e apressadamente culparam Bolsonaro e os militares; Lima Duarte (90 anos) referiu “sentir o bafo putrefato de 64...e agora quando eles promovem a devastação dos velhos”. Achei declaração com viés, declaração com sangue, com ressentimento. Eles...quem são eles??? Prefiro a navalha de Occam que me diz ser seu suicídio causado pela sua declaração em carta despedida – “não deu certo...a humanidade não deu certo”. A gente, tal qual Flavio, imaginou que um dia o ser humano poderia ser assim chamado merecidamente...humano; talvez fraterno e solidário. Que soubesse tratar com dignidade as crianças e os velhos. Mas, não, enveredamos para o pior; para constatar a podridão humana basta ler por 2 minutos as mensagens do face. Aos 85 anos percebe-se talvez que não tivemos ingerência sobre onde e quando nascer; mas podemos escolher quando morrer; deliberamos secretamente sobre ficar com “a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar” ou dar um jeito. Aos 85 anos deixa-se de viver ou desiste-se de viver voluntariamente por abandono-solidão ou por desencanto. Agora, se os militares ou Bolsonaro têm a propriedade de forçar suicídios da classe artística é uma teoria a ser confirmada.