No dia 26 de março, por volta das 19h, uma mulher foi assassinada em casa, a golpe de facadas pelo companheiro no bairro Petropólis. Os vizinhos chamaram a polícia, que encontrou o corpo da mulher de 62 anos. O assassinato foi o primeiro feminicídio registrado em Passo Fundo em 2020. Na época do crime foi noticiado que a Oficial de Justiça estava a caminho da residência com um pedido de afastamento para o companheiro da vítima deixar o lar, porém não foi possível impedir o crime. A vítima havia realizado uma denúncia contra o companheiro dois dias antes. O homem foi preso logo após o crime. Questionada sobre o caso, a delegada responsável pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), Rafaela Bier, afirmou apenas que “o agressor foi preso em flagrante delito, o inquérito policial foi instaurado, já concluído e remetido ao Poder Judiciário”.
O crime confirmou uma tendência que a delegada já percebia no cotidiano: um aumento nos casos graves em Passo Fundo. “Ocorre que, percebe-se um incremento de crimes mais graves, tal qual a tentativa de feminicídio”, disse a delegada em entrevista ao ON no começo de março. A tendência também foi confirmada pelos dados da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP-RS). Nos primeiros três meses de 2019 e 2018 nenhum feminicídio foi registrado na cidade. As tentativas passaram de 3 no mesmo período do ano passado, para 5 em 2020. “Sim, efetivamente verificamos muitos registros de casos graves. No entanto, é perceptível também que hoje as mulheres se sentem mais empoderadas para buscar as Autoridades Públicas para denunciar os agressores, motivo pelo qual há um acréscimo nos números”, analisa a delegada.
A delegada Rafaela Bier, da DEAM, comenta o aumento dos casos graves (Foto: Divulgação)
Fatores como o uso de substâncias entorpecentes e álcool também são apontados por Rafaela. “São vetores para divergências intrafamiliares e, consequentemente, do aumento da agressividade”, explica a delegada. Além disso, ela destaca a “a dificuldade do agressor em lidar com o sentimento de rejeição causado pelo término do relacionamento”.
Outras hipóteses para o incremento de casos graves são levantadas pela professora do curso de Filosofia da Universidade de Passo Fundo (UPF), Patrícia Ketzer. A primeira é o contexto político. “O discurso de nossas autoridades, em nível nacional, de muitas maneiras legitimam essas violências”, afirma a especialista. A crise econômica é a segunda hipótese da pesquisadora. “Quando a crise se exacerba, o homem se vê sem condições de prover a casa, aquilo que pela cultura patriarcal seria seu papel, ele agride a mulher”, explica Patrícia.
A professora coordena o Projeto de Extensão em Economia Solidária e Equidade de Gênero da UPF (Foto: Arquivo)
Enquanto os casos graves aumentaram, o casos de lesão corporal, ameaça e estupros diminuíram no começo deste ano, em relação aos anteriores. “Não podemos descartar a hipótese de subnotificações”, diz a professora sobre a possível causa para a diminuição desses casos. “Um presidente que desconsidera e até estimula a violência, cria um clima onde as mulheres não se sentem seguras para denunciar”, analisa a pesquisadora. A delegada destaca o trabalho da DEAM em divulgar os meios para denúncias. “Porém, não podemos deixar de mencionar que ainda existem as chamadas subnotificações, que são os caso não reportados às autoridades, infelizmente”, diz Rafaela.
Passo Fundo e o estado
A cidade possui a 12ª maior população do estado, com mais de 180 mil habitantes no Censo Demográfico de 2010 do IBGE. Por isso, chama a atenção as posições atingidas pela cidade no ranking de crimes contra a mulher, como podemos ver no infográfico abaixo. A cidade foi a segunda do estado com mais tentativas de feminicídio em 2019, com 20 casos, perdendo apenas para Porto Alegre. O grande número de casos por ser explicado por alguns fatores. “Uma das causas pode ser vista como positiva, pois podemos pensar que as passofundenses estão denunciando mais, talvez em outras cidades os casos de violência estejam subnotificados. Mas, também é preciso considerar que vivemos numa cidade com forte cultura machista, que reforça esses valores patriarcais, subjuga e objetifica mulheres. A própria tradição gaúcha vai ao encontro disso, quando coloca a mulher como uma prenda, a está objetificando”, analisa a professora.
Denúncias
A Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) de Passo Fundo está localizada na Rua Gen Nascimento Vargas nº153. O telefone da delegacia é 3581-0725. As denúncias também podem ser feitas pelo número 180 e, em casos de emergência, pelo 190.
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