Preservar a infância e conscientizar sobre a necessidade de enfrentamento, é dessa forma que brasileiros vivenciam nesta segunda-feira, dia 18 de maio, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil. Uma data que escancara um grave problema enfrentado pela sociedade que faz milhares de vítimas todos os anos no Brasil.
De acordo com a instituição Childhood Brasil, não é possível mensurar o tamanho real da violência sexual contra crianças e adolescentes no país, seja porque existe uma falta de integração dos órgãos responsáveis e despadronização dos dados coletados ou até porque, mesmo com estes números de notificações e denúncias, ainda há o problema de subnotificação. Com isso, estima-se que apenas 10% dos casos de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes sejam realmente notificados às autoridades.
Visando minimizar os efeitos e construir espaços para que a sociedade possa encontrar informações e ajuda, diversos projetos são desenvolvidos por órgãos não governamentais e instituições. Um deles é o projeto “Clínica de Estudos, Prevenção, Intervenção e Acompanhamento à Violência” da Universidade de Passo Fundo (Cepavi/UPF). A Clínica atua na prevenção a violência sexual cometida contra crianças e adolescentes por meio de workshops e palestras junto a agentes de saúde, educação e assistência social. “O projeto desenvolve suas atividades junto à comunidade de Passo Fundo e região desde 2002, como serviço de extensão universitária ligado ao curso de Psicologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Nesses 18 anos, muitos professores e alunos já fizeram parte da equipe extensionista, sempre empenhada em desenvolver ações de prevenção e acompanhamento à violência nas mais diversas esferas”, explicou a coordenadora do Cepavi, professora Dra. Ciomara Beninca.
O projeto conta com a participação da professora Me. Suraia Ambrós e mais sete alunos dos mais diversos níveis do curso, que desenvolvem o trabalho de prevenção nas escolas, prefeituras, centros comunitários e casas de acolhimento. “As ações são diversas, realizadas na forma de palestras, workshops, grupos terapêuticos com crianças e adolescentes do CRAS II e atendimentos terapêuticos com mulheres vítimas de violência encaminhadas pela Delegacia da Mulher e homens perpetradores encaminhados pelo Fórum. Além dessas ações, o Cepavi também auxilia o Centro de Valorização da Vida em ações eventuais de prevenção do suicídio e nas realizadas por ocasião do Setembro Amarelo em Passo Fundo e municípios vizinhos”, destacou Ciomara.
Projeto “Observatório, Educação e Sociedade”
Outro trabalho realizado pela UPF, referente às questões de combate ao abuso e a exploração sexual infantil, ocorre por meio do projeto “Observatório, Educação e Sociedade”, ligado ao curso de Serviço Social e à Faculdade de Educação (Faed). Institucionalizado junto à Política de Extensão da Instituição desde 2010 e vinculado à Cátedra da Unesco de Juventude, Educação e Sociedade, representada pela Universidade de Brasília, o projeto constitui-se como um lugar de referência no desenvolvimento de ações e produção de conhecimento relacionados à infância e juventude. A temática, considerada ampla e transdisciplinar, prioriza a compreensão das violências associadas às realidades de crianças e adolescentes vinculados aos territórios que concentram maior população em vulnerabilidade social, econômica e cultural do município de Passo Fundo.
De acordo com a coordenadora do projeto, professora Me. Clenir Maria Moretto, o Observatório não desenvolve ações específicas de combate ao abuso e à exploração sexual infantil. Entretanto, considerando que essa tipificação da violência está entre as expressões de violência na infância e juventude, ela aparece no cotidiano das atividades através do que é realizado junto às escolas. “Podemos situar nossas principais frentes de trabalho em três escolas públicas do município. Na implementação do projeto e ações, identificamos (obviamente considerando as limitações de tempo e disponibilidade de um projeto de extensão universitária) crianças e adolescentes que sofrem abuso e/ou exploração sexual. É importante enfatizar que essa demanda exige um olhar atento de nossa equipe interdisciplinar, face a complexidade com que emergem ou não os sinais de violação de direitos”, comenta.
A docente destaca ainda as ações praticadas por meio da atividade “Plantão do Cuidado”, que é um espaço de escuta e acolhimento de crianças e adolescentes com dificuldades no contexto escolar. “Em 2018 e 2019, atendemos crianças que traziam sinais de violação de direitos, como apatia, tristeza, mudanças nos modos de interação entre as crianças e adultos, alterações físicas, psíquicas e mudança de hábito e rotinas. Frente à essas situações, escutamos, acolhemos e articulamos com a rede de atendimento a necessidade da garantia de assistência o mais breve possível. Em atividades socioeducativas, principalmente com adolescentes, identificamos casos em que o abuso acontecia no contexto familiar, noutros, em situações que envolviam a busca por alguma renda à família”, relata Clenir, enfatizando a importância de que os educadores tenham conhecimento sobre a forma como as situações de abuso se manifestam, para que então possam buscar ajuda com equipes, como o Observatório, que se propõe a fortalecer as práticas de cuidado na escola.
É preciso abordar o abuso e a exploração sexual infantil
Dados de 2018 do Ministério Público indicavam a ocorrência de que, no Brasil, em média três crianças eram abusadas a cada hora, sendo as meninas o principal alvo e com as residências como o principal local de ocorrência. O projeto “Observatório, Educação e Sociedade” acompanha os dados epidemiológicos nacionais, estaduais e locais sobre abuso e exploração sexual infantil. “Mesmo havendo um crescimento vertiginoso de casos na última década, temos o conhecimento de que tratam-se de violações predominantemente subnotificadas. De acordo com os casos que acompanhamos, há uma árdua trajetória que começa pela identificação até o afastamento do possível abusador, processo contingenciado pela efetiva assistência da rede à criança e a família. Além disso, existe uma tendência à naturalização por parte da sociedade em relação a casos que acometem adolescentes. Isso decorre de um discurso que culpabiliza o exercício da sexualidade entre jovens. Trata-se, portanto, da necessidade de distinguirmos o exercício natural da sexualidade da submissão ao abuso. O abuso sexual se dá por meio do exercício de poder/violência de um sujeito sobre o outro”, complementa a professora Clenir.
Para ela, é fundamental debater a temática do abuso e da exploração sexual. Segundo a professora, em tempos de pandemia, por exemplo, há indicativos de aumento do número de casos, quando as famílias estão mais expostas à um conjunto de situações que violam direitos. Também, para Clenir, é muito importante a abordagem do tema de diferentes maneiras, com potenciais vítimas - crianças e adolescentes. “O trabalho previsto nos planos nacionais, estaduais e municipais de educação diz respeito à construção de práticas pedagógicas que levem crianças e adolescentes à compreensão de sua sexualidade, de seu direito sobre o corpo, do direito à intimidade e ao respeito. Devem tomar conhecimento das obrigações que carregam os adultos com o cuidado e proteção da integridade de seus corpos e suas vidas enquanto crianças e adolescentes. Por isso, o tema da sexualidade nas infâncias e adolescências não pode ser um tabu, mas sim uma forma legítima de garantir proteção e cuidado, uma vez que os abusos existem, resistem e trazem implicações na trajetória de vida dos sujeitos que a sofrem”, pontua.
Ajude a combater a violência: denuncie
Abuso sexual caracteriza-se quando crianças ou adolescentes são invadidos em sua sexualidade e usados para satisfação sexual de um adulto ou mesmo de um adolescente mais velho. Já a exploração sexual envolve uma relação mercantil.
Para ajudar a combater esse tipo de crime, existe o Disque 100, que é um serviço gratuito disponibilizado pela Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República que registra denúncias de jovens que se sintam ameaçados ou que sofreram qualquer tipo de abuso ou exploração sexual.