Ele estava reunido com amigos na casa do vizinho. A turma fora encontrar-se, após recomendação dos pais, advertindo de que não saíssem na rua, pois é perigoso. O grupo de adolescentes foi surpreendido pelas rajadas de bala, numa favela do Rio de Janeiro. João Pedro era aluno estudioso e dizia que um dia seria advogado. Morreu com balaço na barriga, sem qualquer motivo. Seus pais, Neilson e Rafaela, que correram para casa na hora do tiroteio, estavam trabalhando. E ficaram desesperados após saberem que João Pedro foi baleado por uma patrulha que invadiu a casa onde se encontravam os adolescentes. Durante 14 horas procuraram o filho de 14 anos, que fora levado pela viatura policial. Até agora não há explicação para o acontecido. Foi morto e sepultado. Seu pai ainda enternecido, falou na entrevista pela TV, que o menino era bom e estudioso. Seu boletim da escola revelava ser ótimo aluno. “Nenhuma nota vermelha”, disse o pai. Sim, estava livre do vermelho na avaliação escolar, mas sua pele era negra e morava na favela, embora contasse com a dedicação dos pais que trabalham e lhe davam sustento digno. Era menino cheio de vida, mas sua pele negra. E, sem saber que a criminosa injustiça social herdada pela escravidão brasileira, talvez fosse a marca fatal da cor de sua pele. Enquanto vivemos a aflição da morte bárbara do menino negro, e o sangue vermelho que jorrou de seu corpo, permanece a sinistra indagação: afinal, o que tem a ver a vida das pessoas decentes com a cor da pele?
Cifras
Enquanto se acumulam os números tétricos denunciando a morte pelo implacável coronavírus, não é possível admitir algumas conclusões de observadores. Estes, felizmente uma minoria, dedicam-se ao exercício glacial confrontando dados de contaminação e morte, com fim reducionista. Querem contestar o medo irrefutável que atinge as pessoas para concluir que é assim mesmo, como outros vírus. Ainda, que a onda de mortes, comparada à população do planeta é insignificante. Não se justifica a recomendação de isolamento que paralisa dramaticamente a produção industrial, serviços, comércio e outras mais. Esse tipo de dedução sucedeu à primeira onda de contaminação da pandemia, que atingiu os mais ricos. Na fase atual o perigo atinge periferias. E não assusta mais a classe privilegiada que tem água, luz, esgoto, remédio e médico particular. A triste conclusão que desdenha a pandemia, após comparar cifras de outras pragas históricas, assusta pela frieza.
Fome
A fome e desemprego já rondavam a sociedade brasileira mais pobre, mesmo antes da pandemia. A falta de saneamento á vergonha histórica. Neste momento, pela dificuldade e paralisia dos empreendimentos, sofre agudamente o trabalhador empregado e o empreendedor, este, mesmo com alguma gordura. Todos sabemos que a fome também mata, mas a contaminação é mais traiçoeira. A expressão “gripezinha” e outras da mesma crueldade moral criam focos de ódio. E ódio não é renda, ao contrário é mais doença. Esperança é olhar para algum rescaldo, e juntar dos escombros a forma de recriar sobrevivência. A manutenção da vida é prioridade porque contém o potencial da solução para essa devastação que estamos sentindo. A morte é implacável e significa o fim do indivíduo.
Medo
No momento, ficar em casa não é inércia humana. É recomendação imperfeita, a mais viável, para suportar a pandemia. Não é um medo covarde, como insinuam os delirantes negativistas de uma elite estúpida. É a equação (solução possível) para o caos. É a forma abnegada, com a dilação do distanciamento, para restaurarmos meios ainda incertos, na busca da recuperação possível. Sem extrapolar o equilíbrio pessoal, o medo é a concentração de forças para a difícil recuperação. Sabemos que é trágico o que acontece com a economia, mas é inexigível a temeridade genocida. Parece que, aos poucos, algumas coisas estão voltando. Cuidado, no entanto, com o abismo da indiferença pela vida. “Abyssus abyssum invocat” (o abismo chama o abismo).