Em junho de 1950 num amistoso entre as seleções do Rio e São Paulo mestre Didi marcou o primeiro gol no inaugurado estádio Maracanã; foi de folha seca, onde Didi batia na bola com a face externa do pé direito e ela descrevia uma curva e subitamente perdia a força e caía dentro do gol como uma folha seca a desnortear o goleiro adversário. Destarte o “maracanazzo”, haveríamos na década de 1960 de sonharmos grandezas para o nosso país. Getúlio gritara – o petróleo é nosso; JK, o presidente bossa-nova trouxe a gargalhada e o otimismo ao planalto central; mais do que isso, o Brasil ganhou seu primeiro mundial na Suécia e tínhamos uma música só da gente, a bossa nova de João Gilberto. Ninguém soube contar melhor a história e a intimidade do poder do que o imortal estranhamente falecido esta semana, aos 91 anos (imortal não morre), o escritor Murilo Mello Filho. Em sua obra Testemunho Político, que já li um sem número de vezes, reponta-se o historiador raiz, sem viés, sem paixões ideológicas; em outras palavras, jornalismo e literatura ética, fiel aos fatos. Um jornalista deve-se ater aos fatos, deve-se despir de simpatias ou antipatias visto que não é um missionário; se assim se achasse deveria ter outra profissão, na área da exploração da fé, por exemplo.
A gente estava precisando de um JK desde que Mario De Andrade teve sua obra Macunaíma (1928) apropriada de maneira leviana, dando-se cores que Mário não quis dar ao brasileiro, de maneira geral, como uma marca de pessoa sem caráter. Aí, juntando-se Mário de Andrade (sem virtudes) com o “maracanazzo” (aniquilamento), o genial Nelson Rodrigues elencou que sofríamos da ideia de sermos vira-latas – o complexo de vira-latas.
Aí o Brasil viveu muitas aventuras políticas que agradaram uns e feriram outros, mas como o país do futuro, celeiro do mundo, pátria educadora ou qualquer slogan ufanista...e, gol da Alemanha...e, bem, e então...
Tudo estava combinado...o Brasil encontrara seu caminho...só havia faltado combinar com os russos (jargão futebolístico, que refere que qualquer tática de esporte deveria-se levar em conta o comportamento do adversário) e veio o covid. Ao contrário do xilindró, onde o meliante sonha em escapar e qualquer lugar fora dela é bom, no corona não havia para onde escapar. E ficamos trancados, com medo, não havia lugar para fugir ou escapar. Ao longo do tempo, e pela exaustão, surgiu uma onda imensa de desalentos, de suicídios, noticiados ou não, pela perda da esperança. Como folhas secas muitos despencaram. Outros devaneios, coletivos ou não, vão surgindo pelo desencanto à vida, tal qual ocorreu nas duas grandes guerras do século passado. Aquilo, a desesperança na humanidade, levou a uma geração de jovens a considerar a possibilidade real da vida ser existencialista, tal qual o pensamento de Sartre, viver por viver, sexo-drogas-rock.
Um dia, em 1950, o mestre Didi brindou o mundo pela batida na bola. Hoje, folhas secas e o complexo de inferioridade ou do vira-latas baixou de vez no mundo inteiro; somos muito menores que um vírus. É, o mundo do futebol parece ser mais bonito, mesmo na tristeza do Maracanã em 1950. Saudades do meu Grêmio.