Quase quatro meses após a publicação dos primeiros decretos visando o isolamento social para achatar a curva de contágio pelo coronavírus, e dois, desde a implementação do sistema de Distanciamento Controlado elaborado pelo governo estadual que impôs diferentes colorações de bandeiras para as macrorregiões gaúchas, o médico, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo (UPF) e membro do Comitê de Orientação Emergencial (COE) de Passo Fundo, Paulo Roberto Reichert, afirma que uma volta da região ao patamar vermelho nas bandeiras é “injusto”. Em uma entrevista por telefone com o jornal O Nacional, na manhã de quinta-feira (2), ele avaliou os reflexos locais da pandemia da Covid-19.
ON: Professor, hoje [quinta-feira] pela manhã, o governador Eduardo Leite (PSDB) fez um pronunciamento solicitando que a população permaneça em casa por uma possível sobrecarga no sistema de saúde com a chegada do inverno. Na mesma tarde, os prefeitos devem se reunir com ele solicitando uma alteração na cor da bandeira para a região. É prudente, agora, evoluir de uma bandeira vermelha para uma laranja, por exemplo?
Paulo Roberto Reichert - Nós temos que valorizar a pandemia, mas as outras doenças não pararam. Eu espero que quando a pandemia passar, se continue dando atenção aos leitos porque esse problema é antigo. Espero que continue se falando em investimento em saúde. Nós paramos cedo demais no sentido de evitar o esgotamento dos hospitais. Empurramos a curva e a empurramos para o inverno. Vejo de forma negativa porque estamos pagando um preço por isso. Precisamos encontrar um equilíbrio entre preservar a vida e evitar as mortes em decorrência da recessão gerada pela pandemia. Tentar achar esse equilíbrio é bastante difícil. Não podemos fechar as atividades produtivas, mas também precisamos pensar na saúde.
ON: Alguns prefeitos, inclusive, já pediram desvinculação da área de Passo Fundo para poder abrir o comércio. Como o senhor avalia isso?
Paulo Roberto Reichert- A maioria dos leitos são ocupados por pacientes de outros municípios. Estamos pagando um preço de sustentabilidade gigantesco por causa disso. Pensamos em um contexto de saúde e a cidade é um polo de atendimento na área, que recebe pacientes de outras localidades. O esforço que Passo Fundo fez, os demais municípios não fizeram. A bandeira vermelha foi injusta com Passo Fundo porque a capacidade de atendimento não estava em risco.
ON: Falta, portanto, um maior diálogo do governo estadual com as secretarias de saúde de cada município para entender o contexto local de cada um?
Paulo Roberto Reichert - A necessidade de um maior diálogo com o governo estadual já foi pontuado pelo prefeito, Luciano Azevedo. Todos temos que nos cuidar e atender, especialmente, a população mais fragilizada. No HSVP [Hospital São Vicente de Paulo], a internação na UTI Covid tinha um número significativo, mas as internações nos postos diminuíram bastante. O COE sugere que aqueles que podem ficar em casa, fiquem. Fazemos duas ou três reuniões semanais porque existe a preocupação com os surtos, como em lares de idosos e fábricas.
ON: A Prefeitura de Passo Fundo abriu edital para a compra da hidroxicloroquina. Como o senhor avalia a administração dessa medicação nos pacientes com sintomas leves de coronavírus?
Paulo Roberto Reichert - Existe um protocolo do município para isso para que o médico discuta com o paciente. Fica a cargo dele, mediante a assinatura de um termo de consentimento. Foi entregue, inclusive, um documento ao governo estadual para que o uso de azitromicina [antibiótico utilizado no tratamento de infecções bacterianas] e zinco seja feito de modo mais generalizado. Isso está sendo discutido.
ON: É possível prever até quando o sistema de bandeiras vai predominar?
Paulo Roberto Reichert - A resposta é não. Esta situação vai se estender mais do que pensávamos inicialmente. Existem muitas dúvidas sobre o comportamento da pandemia em 2021, sobre a duração da imunidade de quem já foi infectado e eficácia da vacina que, esperamos, que saia até o final do ano. Estamos cheios de dúvidas porque é uma doença nova. Se olharmos para a Gripe Espanhola [pandemia do vírus influenza que infectou 500 milhões de pessoas em 1918], ela durou 2 anos. A vida continua, mas nós temos que nos proteger.