Antes de qualquer consideração ressalvamos o desejo de que o presidente Jair Bolsonaro tenha pronta recuperação do contágio pelo Covid-19. Afinal, além de ser humano que merece o êxito na preservação da vida, é o presidente eleito que tem o dever de defender a democracia. O que se prenuncia é favorável ao restabelecimento de sua saúde, e que se trata de contaminação de menor intensidade, além das condições privilegiadas graças à forte ajuda do estafe médico presidencial.
Avançando a reflexão sobre a terrível pandemia que apavora a população brasileira, persiste a espera sobre o grau de compaixão que move o palácio. Pois é! Justamente quando a doença torna-se consternação nacional (e mundial) vivemos sob o espectro de omissão, que se torna cometimento de violência. Invoca-se o episódio narrado na Bíblia, em Atos dos Apóstolos e evangelistas, sobre Paulo de Tarso. Conta-se que Saulo (nome grego de Paulo), era oficial do Império Romano, posto que herdara de ato heróico paterno. Além disso era distinguido entre judeus, pelo douto conhecimento. Ao exercer sua atividade soldadesca era implacável perseguidor da população pobre e miserável, espoliada pelo Império Romano. Era o início do Cristianismo organizado socialmente nos refúgios de fraternidade das catacumbas. Os atos arbitrários imperiais incluíam perseguição aos pobres cristãos de Roma. Um dia, como diz uma versão dos livros, Saulo cavalgava com seus comandados em ação policial com todo o rigor autoritário. Subitamente seu cavalo empacou diante de um clarão que riscou o céu. Saulo caiu e perdeu a noção de tudo, permanecendo por três dias sem cobrar a visão. Na mente ecoava uma voz: “Saulo, Saulo, por que me persegues?”. Sofrera emoção transcendental. E adotou o nome de Paulo (versão em latim). Considerou um apelo divino. E passou a olhar o povo sofredor de modo diferente e profundamente convertido. Dedicou-se ardorosamente em favor das pessoas sofridas e fez grandes transformações na propagação e testemunho de Cristo. As memórias de Paulo também aparecem entre versões lendárias e documentos apócrifos citados pela pesquisa. Tudo, no entanto, converge para uma mudança de atitude deste homem sábio, ardoroso seguidor e defensor de Cristo, o Filho de Deus que padeceu sofrimentos atrozes e foi crucificado. Com muito mais coragem levou a mensagem religiosa e passou a ser perseguido pelos mandantes do Ocidente e Oriente.
O presidente Bolsonaro, inflado pelo poder, está devendo ao povo brasileiro o efeito da transformação. O covid-9 que acometeu nosso mandatário pode significar a queda do cavalo, felizmente recuperável.
A esperança é de que se liberte das idéias sectárias que comprometem nossa vida futura. Que haja a conversão de um estágio de perseguição aos adversários políticos e camadas sociais que merecem maior compreensão. São os milhares de flagelados pela pandemia, mortes e seqüelas terríveis. É a civilização indígena fragilizada e quase dizimada pela perseguição histórica e que precisa ser defendida das invasões dos predadores que queimam a floresta e envenenam os rios, pelo lucro fácil. Não é compreensível que um ministro como Ricardo Salles, do Meio Ambiente, distorça a missão ministerial e fragorosamente prejudique a preservação da natureza. É preciso ver com outros olhos a degradação social em marcha, que menospreza negros mortos pela polícia e pelas hordas do crime, ou por tantas balas perdidas.
A conversão imaginada como aconteceu com Saulo perseguidor pode sim significar retorno a fontes naturais do direito e justiça, sem semeadura de ódios ou perseguições. Que os rumos catastróficos hoje rondando a saúde dos brasileiros sejam contidos mediante preocupação com as pessoas. Que haja compaixão oficial com o pavor das mães vivas que choram seus filhos. Não é hora, senhor presidente, de ceder a provocações menores e manejar o poder popular ou criar inimigos invisíveis. Que a Polícia Federal continue eficiente e livre de influências inibidoras do combate à corrupção. Que a força da conversão faça o poder público entender o mal da pandemia que nos assombra com olhar humano, e possa excluir de seu vocabulário expressões mórbidas como “isso é apenas uma gripezinha”. Compaixão, senhor presidente, é a virtude dos verdadeiramente fortes.