A notícia de falecimento do professor aposentado Paulo Barros de Albuquerque, no dia 10 de julho, não emocionou apenas amigos e familiares do homem de 62 anos. Professor da rede estadual e municipal por quase três décadas, Paulo era uma figura querida pela comunidade escolar. Vítima da Covid-19, o educador deixou para trás a esposa e três filhos – um deles, Wilver, de 26 anos, que também contraiu o vírus, faleceu 11 dias após o pai. A morte comoveu a comunidade do bairro Leonardo Ilha – onde o professor vivia há mais de 20 anos e, também, onde atuou durante boa parte de sua carreira – e levou vizinhos e colegas de profissão a criarem um abaixo-assinado solicitando que a futura praça comunitária do bairro, que ainda está em construção, seja nomeada em homenagem ao professor.
O documento online, criado há pouco mais de um semana, já coleciona mais de mil assinaturas. Embora a Lei Municipal nº 58/1998 determine que, quando a denominação de um espaço público incidir sobre nomes de pessoas, isso possa ocorrer apenas depois de um ano de falecimento do homenageado, a responsável por dar o pontapé ao abaixo-assinado e vizinha da família Albuquerque há mais de 20 anos, Roberta Siqueira Soares, explica que a intenção é agilizar desde já o processo e encaminhá-lo ao Município. “A pracinha está sendo construída pela própria comunidade e conseguimos alguns brinquedos em parceira com a prefeitura. Como é uma praça para as crianças, achamos que seria justo fazer uma pequena homenagem ao professor Paulo. Ele foi professor do nosso bairro por mais de 20 anos. Trabalhou muito tempo na escola Eloy Pinheiro Machado e, em alguns casos, fez parte da educação das nossas crianças durante toda a vida delas. Nada mais justo do que prestar uma homenagem para um professor que foi tão querido, carinhoso e adorado pelos alunos”, comenta.
Para alavancar o movimento e ampliar o número de assinaturas, Roberta conta que teve o apoio do filho mais novo do professor, Wesley, que ajudou a divulgar o documento. O gesto tem servido como um pequeno acalanto ao coração da família Albuquerque, que sofre de perto a consequência mais dura da pandemia. Ainda sensibilizada por um luto redobrado, a esposa de Paulo e mãe de Wilver, Marcineia Berlamino de Albuquerque, considera justa a ideia de homenagear o professor. “Ele tinha praticamente 30 anos de trabalho, deu aula em muitas escolas e educou muitas gerações. Volta e meia, pessoas apareciam agradecendo ele, porque ele era realmente um professor muito dedicado, tanto que trabalhava 60 horas por semana antes de se aposentar. Então recebemos com carinho a ideia de ele ser homenageado”.
Além de um professor admirável, Marcineia descreve Paulo como um marido exemplar. “Eu me apaixonei por ele pela pessoa que ele era. Calmo, tranquilo, bom ouvinte, sempre tendo uma palavra de conforto, uma maneira de ajudar. Vivemos mais de 30 anos juntos e ele sempre foi um marido excelente, trabalhava muito e dava o que podia dar de melhor para nós. Ele vivia preocupado por ter pouco tempo para estar junto com os filhos, mas posso dizer que ele sabia usar com qualidade o tempo que tinha. E não digo isso porque ele faleceu, todos que conviveram com ele sabe do jeito que ele era”, relembra.
O drama da doença
O espirito atencioso descrito pela esposa de Paulo era visível, ainda segundo ela, mesmo nos últimos dias de vida do marido. Marcineia suspeita que tanto Paulo, quanto o filho Wilver, tenham sido contaminados pelo coronavírus depois que ela própria teve contato com o vírus. “Em junho, eu precisei ir para o hospital fazer uma cirurgia no braço, mas tive complicações e precisei ficar internada no Centro de Terapia Intensiva por 12 dias. Nesse período, soube que uma enfermeira e um médico que haviam me atendido precisaram ser afastados por Covid, então acredito que eu já saí do hospital com o vírus. Tudo isso deixou meu marido muito preocupado, ele perdeu o chão, não se alimentava direito e foi ficando debilitado”, relata.
Marcineia acredita que a fraqueza do marido, causada pela preocupação que ele sempre sentia pela família, tenha deixado o sistema imunológico do professor ainda mais vulnerável ao novo coronavírus. Poucos dias depois de Marcineia receber alta do hospital e voltar para casa, Paulo e o filho Wilver – que estavam, desde o início da quarentena, respeitando o distanciamento social – passaram a manifestar os sintomas do vírus. A febre alta e a falta de ar os levaram a procurar um posto de saúde, onde testaram positivo para Covid-19. O primeiro a ser internado foi Wilver, no dia 24 de junho. O jovem tinha 26 anos e diagnóstico de síndrome de down. Dois dias depois, com baixa saturação de oxigênio, Paulo também precisou ser levado ao hospital, onde ficou hospitalizado até seu falecimento. “Eu e meu irmão, que mora comigo, também fizemos o teste logo depois e deu positivo, mas ficamos em isolamento domiciliar”.
De acordo com Marcineia, Paulo ficou internado no Hospital São Vicente de Paulo entre os dias 26 de junho e 10 de julho. Neste período, não apresentou nenhuma melhora em seu quadro clínico. A infecção se espalhou pelo pulmão e evoluiu para óbito. O jovem Wilver, que estava hospitalizado próximo ao pai, permaneceu sob cuidados médicos entre os dias 24 de junho e 21 de julho, período em que teve variações em seu quadro de saúde. Apesar disso, mesmo tão jovem, também não resistiu. Devido aos protocolos de saúde, a família não pôde se despedir ainda em vida e precisou enterrar pai e filho em caixões fechados, em cerimônias com poucos familiares.
Uma doença solitária
Por exigir a redução de contato entre os pacientes com coronavírus e seus familiares e cuidadores, a fim de evitar a propagação do vírus, a Covid-19 se torna uma doença solitária. Marcineia conta que, depois de o marido e o filho terem sido internados, não puderam mais receber visitas. Para saber sobre o estado de saúde deles, que estavam internados em leitos de UTI, Marcineia precisava se deter apenas ao contato telefônico com a equipe médica. “Era muito difícil não poder visitar. Eu implorava, insistia, mas no fundo entendia que não podia ir porque é uma questão de segurança. Nós podemos levar outros vírus e eles já estão muito fragilizados”, pondera. “Eu só pude ver o Wilver no dia do falecimento do Paulo. Precisei ir até o hospital para ver e liberar o corpo dele. Enquanto estava lá, perguntei para uma funcionária como estava o meu filho. Ela disse que não poderia me deixar ver ele, mas acabou permitindo. Ele estava sedado e intubado. Conversei muito com ele, fiz carinho. Acho que ele estava precisando daquela conversa. Foi a última vez que eu o vi”.
Descrevendo Wilver como um anjo, que batalhou muito para chegar até os 26 anos, Marcineia compartilha que inventou o nome do próprio filho e deu a ele o significado de “viver”. E diz que, enquanto estava em terra, ele viveu carregando as mesmas virtudes que o pai. “Ele demonstrava muito amor sem pedir nada em troca. Por onde passava, nos ensinava muito com sua maneira de ser. Eu sempre brincava dizendo para o Paulo que eu partiria primeiro, porque jamais conseguiria viver sem ele. Infelizmente, a gente mal saía de casa desde que começou a pandemia e mesmo assim a doença veio até nós. Por isso, digo para as pessoas que se cuidem. Esse vírus é real. Será que é preciso acontecer com alguém da sua família para que você entenda a gravidade?”.