Passo Fundo passou por diferentes fases, entre os primeiros processos de produção agrícola, até o modelo que deu origem a abordagem atual. Para o doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade de Passo Fundo, João Carlos Tedesco, um primeiro ciclo de produção agrícola aconteceu com o dinamismo mercantil, o qual intercalava o extrativismo da madeira, erva-mate, pedras preciosas, com a pecuária e uma agricultura pouco expoente, ou de reduzida dinâmica mercantil.
Segundo ele, é um processo que se desenvolveu entre meados do século XIX até início do século XX. Os atores econômicos fundamentais desse período foram os indígenas, onde se destaca principalmente o extrativismo da erva-mate, mas, também, na abertura de estradas, em práticas agrícolas adequadas na região, negros e caboclos, luso-brasileiros, teuto-brasileiros, tropeiros, colonizadores e colonizadoras, comerciantes, peões de fazenda e pequenos camponeses (diaristas) de várias expressões étnicas.
Os recursos econômicos desse primeiro ciclo, conforme Tedesco, foram os pinhais, ervais, pecuária, mulas, madeira, e pedras preciosas, geralmente exploradas por alemães vindos diretamente da Alemanha ou migrantes das colônias antigas de imigração.
Outro aspecto importante foi a estrada de ferro, considerada fundamental para a agricultura e, particularmente, para o extrativismo da madeira. “É um ciclo interessante, pois ele vai definir o perfil econômico do município, de forte presença agrícola, de uma produção diversificada, modernizada em sinergia com um amplo processo agroindustrial que se desenha após as primeiras décadas do século XX”, destacou Tedesco.
Para o professor, a substituição dos campos pastoris, após as primeiras décadas do século XX, foram fundamentais para transformar esse território em um amplo processo que envolveu colonos de várias origens étnicas, em particular, italianos, alemães, poloneses, holandeses e ucraniano.
Um segundo fator é a presença de grupos étnicos com reconhecida e histórica vocação para a agricultura familiar, de produção de excedentes que foi reocupando espaços e territorializando novos processos produtivos na agricultura.
Programa de incentivo
Tedesco enfatiza a importância da existência de um amplo programa governamental, nas primeiras décadas do século XX, para viabilizar a agricultura na região, principalmente com a configuração de aldeamentos indígenas, colonizações, migrações internas e incentivos financeiros. Estes incentivos, segundo ele, acontecem após os anos 30, com o governo Vargas, cujo projeto era produzir alimentos e transformar o estado em um celeiro do país.
A parte norte do estado foi a região mais favorecida nesse sentido, principalmente com a produção de trigo (agroindústrias – moinhos), milho (criação de suínos e aves e a consequente constituição de frigoríficos e outras agroindústrias decorrentes desta matéria-prima). Também houve uma ampla pauta diversificada de produtos, próprios do perfil dos agricultores (em geral, familiares) que se inseriram neste espaço, com ênfase na vitivinicultura, leite, fumo, hortaliças e frutas.
O impacto desse processo todo de inserção de atores produtivos foi a crescente produção agrícola diversificada.
“A intensa modernização produtiva que foi acontecendo pós anos 50, com amplas políticas de incentivo à substituição de importações, viabilizou parques industriais de bens de capital, o que impulsionou a produção agrícola regional” explica o professor.
Complexo agroindustrial
Tedesco chama a atenção para um segundo ciclo de produção agrícola, caracterizado pela substituição do complexo rural, para o complexo agroindustrial. Elas revelam sua importância, assim como a cultura do milho e toda a cadeia produtiva da carne dele decorrente. Os granjeiros, que são os produtores modernizados com o uso de tecnologias disponíveis, a partir da década de 1950, com a crise da pecuária. Nesse ciclo, os atores econômicos centrais foram os comerciantes, pequenos industriais, ainda os madeireiros, os moageiros, os frigoríficos, as cooperativas tritícolas, os agricultores familiares, granjeiros, dentre outros.
Modernização agrícola
Segundo o professor, a produção agrícola passa a se destacar de forma mais intensa no cenário econômico a partir da década de 1950 no norte do estado, tendo Passo Fundo como epicentro, configurando assim um território econômico agrícola. O trigo é seu carro-chefe e toda a sua rede interligada de processos industriais, dentre os quais os moinhos e cooperativas tritícolas. Passo Fundo torna-se a capital do trigo por alguns anos.
A modernização agrícola teve na região do Planalto Médio sua centralidade. Isso abriu espaços para a introdução de uma cultura de verão que, a partir da década de 1960, vai também configurar a marca registrada deste território: a soja. Ela produz um terceiro ciclo de atividade agrícola; interliga-se com um amplo complexo agroindustrial oleaginoso presente no sul do Brasil; vincula os produtores agrícolas, de tamanhos variados, a este produto. “As décadas de 1950 e 1960 serão paradigmáticas nesse sentido em razão da nova performance agrícola de caráter modernizante, de intenso incentivo público através de crédito subsidiado para a montagem da infraestrutura técnico-produtiva, principalmente em torno da cultura da soja”, disse o professor. Esse período, segundo ele, fortalece a performance de Passo Fundo e região como território agrícola, de indústrias com perfil agrícola, de intensa valorização das terras, da transformação desse espaço produtivo com o que vinha se desenhando na economia do país.
Tedesco frisa que esse modelo agrícola que se desenhou, produziu inúmeras contradições expressas no intenso êxodo rural de pequenos camponeses, alteração no ambiente natural, alteração na paisagem urbana pela incorporação, de uma forma abrupta, de amplos contingentes de migrantes do meio rural, bem como conflitos agrários, os quais, alguns deles, estendem-se ou estão hoje ainda presentes.