Engenheiro agrônomo e agricultor, o passo-fundense Luiz Graeff Teixeira foi um dos pioneiros na utilização e incentivo do plantio direto sobre a palha. Acompanhou uma virada revolucionária no setor primário que, sem revirar a lavoura, protege e fertiliza o solo. Ele participou dos primeiros ensaios, estudos e intercâmbios que colocaram Passo Fundo na vanguarda do novo método. Atualmente, Luiz Teixeira produz alimentos de entressafra na Fazenda Varginha, em Taquarana no estado de Alagoas. Com muito orgulho, conta sobre uma página de muita beleza e produtividade na agricultura de Passo Fundo.
Como era a agricultura em Passo Fundo antigamente?
Nas décadas de 50/60, a agricultura em Passo Fundo era insipiente, os campos com barba de bode, mostravam solos muito pobres, ácidos, baixa fertilidade, como consequência baixas produtividades, dificultando o sucesso do agricultor. Os plantios de cereais eram realizados em terras de mato. Derrubava-se o mato para fazer a roça, usava-se pouco adubo, quando enfraquecia a terra, novo desmatamento, e assim foram diminuindo nossas matas nativas. Neste tempo se cultivavam as culturas de subsistência: arroz, milho, trigo, feijão etc., em pequenas áreas, até que pelo pioneirismo, coragem e competência do Sr. Mario Goelzer, na sua fazenda no Butiá, município de Passo Fundo, plantou uma grande área de trigo, nos campos de barba de bode.
O que representou a soja?
Nos anos 50, a leguminosa soja era utilizada como adubação verde para melhorar a fertilidade do solo, aumentando a produtividade do trigo (cultura dominante) estimulada pela compra estatal. Como a banha de porco tornou-se vilã da saúde, houve a necessidade de substitui-la por outra gordura. A cultura da soja surge com grandes vantagens, na extração do óleo, restava o farelo, a parte proteica, preciosa na alimentação de aves, suínos e bovinos. Este cenário agregou à soja um ótimo valor comercial, surgiram as esmagadoras, que por sua vez, estimulavam e comercializavam. A organização dos produtores em cooperativas, melhorando as condições de compra de insumos, e principalmente a comercialização das produções, garantindo um melhor preço. A dobradinha trigo no inverno e soja no verão deu suporte aos agricultores. O boom da soja se deu com a procura por óleo e farelo no mercado internacional, possibilitando aos sojicultores investirem pesado em novos equipamentos, corretivos e fertilizantes.
Como era o plantio de grãos pelos métodos convencionais?
No plantio convencional, inicialmente as máquinas eram importadas, a indústria nacional era insipiente. Eram necessários arados, grades, semeadeiras, capinadeiras, colheitadeiras, tratores, um grande parque de máquinas. Gastava-se um tempo enorme no preparo (arado, grade pesada, grade niveladora), com grande consumo de combustível e custo de operadores, seguia-se o plantio, aplicações de herbicidas e inseticidas, como conclusão a colheita. As produtividades eram baixas, limitadas pela acidez, baixa matéria orgânica, solos muito pobres, necessitando altas doses de fertilizantes. As cultivares existentes tinham potencial reduzido. Como consequência as médias eram baixas, dificultando a lucratividade. Soja e trigo em torno de 35s. de 60 kg/ha (2.100 kg) e o milho 50-60 s. de 60 kg/ha (3.600 kg). E quando vinha a chuvarada... O preparo adequado no plantio convencional se fazia com um ferro de arado ou grade pesada e dois ferros de niveladora, pulverizando o solo. Além disso, plantava-se o trigo nos meses de maio/junho e colhia-se em novembro. Como o plantio da soja deveria ser realizado em outubro, período ideal, ao ser colhido o trigo, o plantio da soja em novembro e dezembro já ocorreria fora da época ideal, com prejuízo considerável. A abundante palhada do trigo impedia o preparo da área, sendo usado o fogo, como solução para este problema, ficando a área limpa para um plantio rápido da soja. Na primavera, época muito chuvosa, frequentemente ocorriam chuvas pesadas (100 mm/hora), resultando grandes perdas por erosão, levando o solo ladeira abaixo, causando assoreamento aos rios e córregos, além do solo fértil, todos os insumos da soja recém-plantada, um prejuízo enorme ao produtor, que tinha que replantar!
Quando o plantio direto chegou aos ouvidos dos agricultores de Passo Fundo?
Agricultores de Passo Fundo, em 1974 foram aos USA, visitar áreas de produção de grãos, nesta ocasião, tivemos a oportunidade de observar áreas de PD experimentais. Vimos neste sistema, uma grande solução para os problemas de erosão do solo, bem como evitaria a queima da palhada, conservando esta como cobertura, uma fonte de matéria orgânica. Estavam nesta viagem, além de mim, produtores que se destacaram como líderes da expansão da agricultura em Passo Fundo e pelo Brasil a fora: Wallace Neuhaus, Armando Bortolin, Lothario Silveira, Joacir Stedile, José Artuso, Setembrino Webber, João Fabiani, Norberto Wentz e Ivan Gasparotto.
A natureza deu o exemplo?
Também nesta época, inspirado pelo meu querido e saudoso pai, um protetor da natureza, em caminhadas pelos matos nativos existentes, colhendo pinhão e bebendo água direto na sanga, limpa e cristalina, chamava atenção a riqueza do solo nestes matos, a “terra preta”, com altos teores de matéria orgânica, muito procurada pelas pessoas da cidade que cultivavam flores. Na periferia dos matos, nas áreas nativas de “barba de bode”, o solo era pobre de nutrientes, ácidos e com baixíssimos teores de matéria orgânica. Raciocínio lógico, o solo rico em matéria orgânica dos matos era alimentado pelas deposições de folhas mortas, intensa vida de seres animais que viviam nestas condições , se alimentando, reproduzindo e enfim morrendo, fertilizando o solo, numa equação perfeita. O desafio então seria acertar as técnicas para executar o plantio sobre a palhada, sem mover o solo, evitando a erosão e iniciando o processo contínuo de fertilizar pela decomposição lenta e gradual da palhada.
Como foram os ensaios para o plantio direto?
Passo Fundo já contava com uma grande indústria na produção de máquinas e implementos agrícolas, a Semeato, cujo fundador, Paulo Rossato, seu sucessor Roberto e seus netos, todos em seus tempos, foram grandes entusiastas do Sistema PD na Palha, não medindo esforços para pesquisar, projetar e produzir plantadeiras capazes de realizar o plantio sobre a palhada. A presença da Embrapa, com seus pesquisadores, nas diferentes áreas de especializações, entusiasmados com a ideia da conservação do solo e preservação do meio ambiente, nos forneciam as soluções técnicas, para vencermos as dificuldades que iam surgindo (herbicidas dessecante, herbicidas pós-emergentes, tratamentos de sementes, fungicidas eficientes, rotação de culturas, etc. A efetiva presença de Rainoldo Kockhann, Dirceu Gassen, Erivelton Roman, Erlei Reis, José Denardim, entre outros, foi decisiva para o sucesso do sistema. A Faculdade de Agronomia da UPF também colaborou com os ensinamentos do Prof. Elmar Floss, especialista em coberturas vegetais. Neste tempo fundamos o Clube Amigos da Terra, onde os entusiasmados agricultores reuniam-se semanalmente para troca de experiências, visando corrigir os erros, vencendo as dificuldades. Entre os pioneiros Humberto Falcão, Lisandro Webber, Luiz Carlos Carvalho, Sérgio Colla, Valdemir Rossetto, Sérgio Webber, Rudy Wentz, Carlos A. Fauth, Paulo Vargas Marinho e tantos outros, com reuniões frequentes, onde eram trocadas experiências, corrigindo os erros, atitudes fundamentais para os primeiros resultados alcançados. Não tenho dúvidas que o retorno a Passo Fundo do inesquecível colega e amigo Gilberto de Oliveira Borges, vindo de Ponta Grossa, com a experiência do famoso Clube da Minhoca, motivou a todos. Com sua esposa Juliane e o jornalista Ivaldino Tasca, fundaram o Jornal do Plantio Direto e em sequência a Revista do Plantio Direto, com circulação nacional e internacional. Também organizaram vários congressos, reuniões técnicas e cursos. Houve intercâmbio tecnológico? Nos anos 70, no RS surgiram vários Clubes Amigos da Terra (Cruz Alta, Tapera, etc.), Clube de Plantio Direto do Arroz, orientados por pesquisadores da Embrapa, Fundacep, Iapar (PR), Universidades, Fundação ABC (PR), entre outros, trocando experiências, visando vencer as inúmeras dificuldades para implantar o sistema (falta de herbicidas eficientes, solos compactados, palha mal manejada...). Nos anos 80, época de grande evolução. Resultado das boas semeadoras produzidas pela Semeato, encontros, congressos internacionais, seminários, todos com presenças ilustres de grandes especialistas nacionais e internacionais. Carlos Crovetto (Chile), Grant Thomas (USA), Rolf Derpsch, John Landers (APDC), Vitor Hugo Trucco (AR), Herbert Bartz (PR), Nonô Pereira (PR), Franke Dijkstra (PR), Ademir Calegari (PR), Telmo Amado (RS), Ana Primavesi (RS), João Carlos Morais Sá (PR), Jorge Molina (AR), Antonio Luis Fancelli (SP), José Ruedell(RS), entre tantos outros, trazendo informações, conhecimentos preciosos que alavancaram a fantástica mudança. Dias de campo memoráveis! Nos anos 90 a afirmação. Sucesso em diversos países, criação da FBPDP (Federação Brasileira), divulgações das melhores técnicas comprovadas e programas de treinamento, visando maior eficiência do sistema, com menor custo, maior rentabilidade, uma agricultura autossustentável.
Rememorando, plantio direto x convencional?
A diferença dos dois sistemas é enorme, citarei as mais importantes: Convencional necessita maior investimento em máquinas para preparar o solo. O plantio direto, um conjunto de trator-plantadeira. Economia de tempo, combustível e mão de obra. O convencional deixando o solo desprotegido, pulverizado e compactado, está sujeito à erosão, com perdas de solo, e que por sua vez vão assorear os rios. O PD é um sistema que plantando sobre a palhada, deixa o solo protegido das chuvas, e a decomposição lenta e gradual da cobertura fertiliza, gerando matéria orgânica. O Sistema Plantio Direto na Palha garante um plantio mais rápido e perfeito, ao mesmo tempo em que se colhe, se planta. Já o convencional, pela necessidade de arar e gradear, é mais demorado, além de compactar o solo, impedindo a infiltração. Como surgiram as plantadeiras para o sistema direto? Na Inglaterra construíram uma máquina (algumas vieram para o Brasil), porém nas nossas condições não funcionavam bem. As primeiras máquinas para PD foram adaptadas por vários agricultores, nas mais diferentes regiões, usando as plantadeiras antigas, modificando os discos, com isso possibilitando cortar a palhada e introduzir a semente no solo. Em nível mundial, a Semeato, com muito esforço e competência de seus técnicos, foi decisiva para criar plantadeiras eficientes, com isso, facilitando a difusão do sistema. E as lavouras pioneiras no plantio direto em Passo Fundo? Os organizadores do Clube Amigos da Terra começaram introduzir o PD numa área piloto nas suas propriedades, antes de utilizar em área total. No início, por estarmos diante de novas condições, cometemos muitos erros resultando prejuízos, prejudicando a difusão da técnica aos demais agricultores. Com a troca de experiências em reuniões, dias de campo e palestras dominamos as corretas práticas, e as propriedades pioneiras transformaram todas as áreas, um grande sucesso que rapidamente se espalhou. Os arados e grades foram aposentados definitivamente! A sua lavoura, em Coxilha, serviu como modelo? A Granja Teixeira, no Km 10 da ERS-135, por estar próxima de Passo Fundo, como consequência, da Embrapa, da Faculdade de Agronomia, da Semeato, etc., facilitava o acesso de visitantes que vinham “ver de perto” estas práticas inovadoras, buscar informações e trocar experiências. Para nós era motivo de satisfação, estar colaborando para difundir uma técnica que, sabíamos, iria revolucionar a agricultura aqui e no resto do mundo, preservando a natureza, retendo carbono e produzindo alimentos.
O que representa o plantio direto em termos de produtividade?
O sistema hoje está sendo usado pelo mundo afora. No Brasil em todos os estados. Uma agricultura que retém água na palhada, possibilita sua infiltração por capilaridade, evitando erosão, proporciona às plantas uma resistência maior aos veranicos, uma fertilização natural constante (pela decomposição da palha, fornecendo matéria orgânica “na veia”), recuperação da vida nas camadas superficiais, economia de combustíveis, rapidez e eficiência do plantio e colheita, redução significativa de custos com grande aumento da produção, resulta uma maior produtividade, jamais alcançada no antigo sistema convencional. E em relação ao planeta? O Sistema Plantio Direto na Palha representa ao planeta, uma garantia na produção de alimentos saudáveis e permanentes, sem danos ambientais (erosão, emissão de gases, etc.). Ao contrário, auxilia na retenção da água das chuvas, evitando enchentes, retém Carbono contribuindo para o não aquecimento da atmosfera, estimula e exige rotação de culturas. É um sistema que continuadamente forma solo, portanto agrega e não destrói.
O Arroio Caraguatá permite uma avaliação dos benefícios?
O Arroio Caraguatá, nascendo nos matos da Granja Teixeira, corre em direção ao Rio Passo Fundo. Nos meus tempos de criança, ia visitar meu tio Osório Teixeira, criador de gado em suas terras junto à ponte, na estrada antiga que ligava Passo Fundo – Coxilha. Neste local, no Caraguatá, havia um poço profundo, com muita água, límpida, cristalina, ótimo para nadar e pescar. Neste tempo não existiam lavouras, não havia erosão, eram pastagens nativas. Quando comecei a plantar, lavrando e gradeando as terras na cabeceira (1969) tive grandes problemas de erosão, causando o assoreamento daquele poço, a água tornou-se barrenta, saturada com argila e matéria orgânica e os peixes desapareceram, prejudicados com os resíduos tóxicos levados pelas enxurradas. Essa triste evidência, sentindo-me responsável, somada aos grandes prejuízos de frequentes replantios, despertaram a necessidade de mudar, procurando uma solução inteligente, encontrada no plantio direto. Passados alguns anos, num Encontro Internacional de Plantio Direto, tive o prazer de levar alguns amigos produtores para fotografar o Caraguatá com águas novamente cristalina, despoluído e com muitos peixes. Estes mesmos produtores já tinham visto ele “chocolate” e “morto”. Gostava de mostrar este cenário que reforçava muito o argumento de adesão ao SPD. Para mim, um motivo de orgulho e satisfação, ter reparado esta agressão ao meio ambiente.
Passo Fundo é referência também no plantio direto?
Nada acontece por acaso. Passo Fundo há anos, sempre procurou aprimorar a educação dos seus filhos, criando a Universidade com variados cursos. Grande número de imigrantes com suas culturas e coragem empreendedoras, criaram indústrias de máquinas e implementos agrícolas e um forte e diversificado comércio. Na agricultura, a presença da Embrapa, Faculdade de Agronomia, parques industriais, Cooperativa, Apassul, inúmeras plantas de pesquisa e produção de sementes, entre outras entidades ligadas ao setor, garantem referência em nível mundial nestes tempos de globalização. No plantio direto Passo Fundo é referência. As áreas implantadas nos finais dos anos 70, hoje completando 50 anos, são dignas de admiração, apresentando solos com altos teores de matéria orgânica, onde encontraremos minhocas com facilidade, solos estruturados que hoje apresentam produtividades altíssimas, muitas vezes superiores às produções dos anos 50/60.
Plantaria tudo outra vez?
Faria tudo outra vez, não pode haver satisfação maior a um homem que, passando pela vida, amou, conseguiu ter filhos amados, escreveu livro (ainda secreto, não publicado), plantou muitas árvores, teve grandes amigos-irmãos e, para coroar, participou ativamente da transformação da agricultura, com a adoção consagrada deste sistema que produz alimentos, sem poluir o ambiente, conservando o solo e a água, para nossos descendentes.