As primeiras experiências com a soja no Rio Grande do Sul remontam ao começo do século XX, quando uma série de experimentos com a oleaginosa foi realizada pelo Liceu Rio-Grandense de Agronomia e a Universidade Técnica de Porto Alegre – embriões da atual Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). De acordo com o pesquisador da Embrapa Trigo, Gilberto Cunha, entre as experiências merecem especial menção o primeiro cultivo dito comercial, em 1914, e a pesquisa realizada, em 1921, na Estação de Agricultura e Criação, ambos em Santa Rosa, quando as sementes multiplicadas naquela Estação foram distribuídas para os agricultores da região. Poucos anos depois, em 1930, a pesquisa com a semente foi retomada e, a partir de 1941, a soja passou a efetivamente aparecer nas estatísticas agrícolas do Estado.
À época, de acordo com a Emater, o Rio Grande do Sul mantinha aproximadamente 640 hectares de soja. Embora fosse uma cultura relevante, ela ainda aparecia na sombra do trigo, que era visto como a variedade mais importante para o Estado e alvo de significativas políticas de incentivo, enquanto a soja era usada exclusivamente para a alimentação animal. Além disso, até os anos 1960, o Rio Grande do Sul era o único estado brasileiro produtor da cultura. A partir dessa década, no rastro dos programas de incentivo à produção de trigo no Brasil, a soja também se beneficiou, via a sucessão de cultivos (trigo no inverno e soja no verão) e começou a dar seus primeiros passos rumo à consolidação.
A consolidação da soja
Pode-se citar o Projeto Estadual de Melhoramento da Fertilidade do Solo, implantado em meados de 1960, como a arrancada da sojicultora no Estado e o início de um caminho que causaria o rompimento do casamento entre trigo e soja. Chamado de “Operação Tatu”, o projeto atuava na correção da fertilidade e acidez dos solos gaúchos a fim de tornar os solos pouco produtivos em terras férteis. Além de ter beneficiado a triticultura, que pôde ter seu cultivo expandido para os solos de campo, as técnicas de tratamento do solo também tornaram possível a produção de soja em maior escala.
Os resultados da “Operação Tatu” começaram a ser colhidos no mesmo período em que o Rio Grande do Sul passava a solidificar sua agricultura, até então colonial e centrada na cultura do trigo, através da chamada “Revolução Verde”. O programa, reconhecido como um marco de modernização e desenvolvimento agrícola, proporcionou o aumento da produção em diversos países através do fomento de pesquisas em sementes, maquinário, fertilização do solo e o uso de agrotóxicos. Além disso, permitiu o aumento na produtividade sem que extensas áreas naturais precisassem ser destruídas para se transformar em lavoura. No Estado, favoreceu principalmente a soja, o trigo e o milho. “A diferença entre antes e depois desse período é gritante. Hoje, a tecnologia está muito alicerçada em termos de produtividade. Houve um avanço extraordinário em relação à qualificação do manejo da cultura”, observa o chefe do escritório municipal de Passo Fundo da Emater/RS, Alessandro Davesac.
"Mas, ao longo do tempo, especialmente a partir dos anos 1970 e 1980, a soja se descolou do trigo"
A Emater estima que, somente no período de consolidação da Revolução Verde, aproximadamente 500 mil hectares foram agregados à agricultura gaúcha, duplicando a área de soja e consolidando o binômio trigo-soja. “Mas, ao longo do tempo, especialmente a partir dos anos 1970 e 1980, a soja se descolou do trigo, impulsionada pela demanda do mercado mundial e pelos preços atrativos, em função de frustrações de safras de grãos em alguns países, a substituição do uso de gorduras animais por óleos vegetais e, especialmente, pela inovação tecnológica na área de genética e de manejo de solo e práticas culturais”, explica o pesquisador da Embrapa Trigo.
Ainda de acordo com Cunha, a chamada tropicalização da soja, ocorrida no Brasil, possibilitou a expansão dessa cultura para além dos limites da Região Sul, não raro levada por agricultores sulinos migrantes para o Centro-Oeste e Norte do País. Assim, a soja se consolidou como a principal atividade agrícola em diversos estados brasileiros e alçou o país à posição que ele ocupa até hoje, no grupo de elite dos países produtores e exportadores de soja no mundo.
O crescimento da produção ao longo das décadas
Os números reunidos nas séries históricas da Emater ajudam a perceber como, a partir da denominada Revolução Verde, a soja foi pouco a pouco tomando o lugar de protagonista que antes era ocupado pelo trigo. Enquanto no início da produção da oleaginosa no Rio Grande do Sul, em 1941, a soja ocupava apenas cerca de 640 hectares, em 1970 este número cresceu para mais de 870 mil ha, com um rendimento médio de 1.121 quilos da semente por hectare. Em 1990, o cultivo da semente alcançou 3,5 milhões, com rendimento médio de 1.795 kg/ha. Vinte anos depois, em 2010, com 4 milhões de hectares de área plantada, o rendimento chegou a 2.611 kg – uma produção de mais de 10,48 milhões de toneladas do grão.
Hoje, estima-se que a sojicultora ocupe cerca de 5,9 milhões de hectares de terras gaúchas, sendo 40 mil localizados no município de Passo Fundo, onde o rendimento médio é de cerca de 3 mil kg/ha. De acordo com o chefe do escritório municipal da Emater/RS, Alessandro Davesac, o principal destino dessa produção é o mercado externo. Ele observa ainda a importância da sojicultora para a economia de Passo Fundo. “Neste último ano, o Rio Grande do Sul viveu um período atípico para produção de soja, por conta da estiagem. A perda foi em torno de 50%. Pelos nossos cálculos, isso fez com que um montante de mais de R$ 110 milhões deixasse de girar na cidade, através de impostos e do comércio local. Isso mostra o quanto a soja tem um retorno de investimento muito grande. Com certeza, o montante líquido arrecado apenas pelo cultivo da soja é muito maior que o orçamento total de diversas cidades localizadas no entorno de Passo Fundo”, pondera.