Vidas perdidas: “Eu tenho comigo essa dor que me devora por não conseguir me despedir do meu filho”

Diego morreu aos 34 anos, vítima da Covid-19. Ele deixou a esposa e uma filha de de 5 anos

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Ao olhar para o Corredor da Alegria do Hospital de Clínicas de Passo Fundo, à espera de ver o filho cruzar por ali sob os aplausos da equipe multiprofissional de saúde, o vazio. O badalar do sino, que na unidade hospitalar significa mais uma recuperação de paciente após o diagnóstico de coronavírus, para a família da líder comunitária, Lurdes Pupe, é som de despedida. Naquele 6 de agosto de 2020, enquanto o Gabinete de Crise do governador Eduardo Leite analisava o protocolo de bandeira para a região, ela dava adeus ao filho em uma breve cerimônia de cremação. Menos de uma semana depois, Passo Fundo atingia a marca de 100 mortes causadas pela Covid-19. Atualmente são 116.

Aos 34 anos, Diego Pupe é uma das jovens vítimas da doença no município. Internado desde o dia 16 de julho no HC, o quadro de obesidade e o estágio avançado da contaminação pelo SARS-Cov-2 no organismo, que já acometia 80% dos pulmões quando ele deu entrada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), foram responsáveis pela única frase capaz de preencher aquele silêncio com os gritos de desconsolo. “Seu filho veio a óbito. Ô palavrinha maldita”, contou Lurdes à reportagem do jornal O Nacional, no soluçar das lembranças. Um dia antes, na quarta (19), ela acompanhou a vitória do Internacional enrolada na manta colorada do filho, na tentativa de materializar mais uma presença que a pandemia retirou da convivência familiar. “Às vezes, eu acordo de noite e fico fantasiando que estou recebendo meu filho pela mesma portinha”, relatou, referindo-se à entrada do hospital onde ela viu Diego pela última vez. “Eu fiz um gesto de colocar a mão no coração para dizer que o amava muito e ele repetiu para responder que também me amava”, lembrou ela em mais um desaguar de lágrimas.

Os primeiros sintomas 

Apesar de todos os cuidados, intuiu Lurdes, o filho, provavelmente se contaminou durante um serviço prestado por um autônomo positivado para a doença chamado por Diego para pequenos consertos na casa em que morava com a filha, de 5 anos, a esposa e o enteado na Vila Bom Jesus. A perda do olfato e do paladar foram os primeiros sinais da doença a se manifestarem. “A minha nora me ligou, disse que o Diego estava com febre e que iria levá-lo ao hospital. Ele não tinha força nem para colocar a roupa, mas sabe como é, os jovens são teimosos. Ele dizia que era só rinite”, relatou a mãe. " Só quem perde, sente na carne que tem que se cuidar e tem que cuidar os semelhantes”, disse. 

Com o agravamento do quadro e, agora sim, uma sorologia positiva para comprovar o contágio do filho, Lurdes conta que a aflição rapidamente se multiplicou. Ela, aos 58 anos; o marido, de 64; os outros três filhos, a nora e até a pequena, filha de Diego, também estavam contaminados pelo coronavírus. “Quando eu soube, fiz uma live e alertei. Essa doença não é brincadeira. Ela veio para acabar com a família e não mata só idoso não”, afirmou. “Quando ele foi internado, eu tinha uma esperança. Eu via a felicidade das pessoas que aquele corredor trazia de volta e eu pensei que traria o meu filho, mas vi o corredor vazio”, lamentou Lurdes. 

Desempregado, Diego estava prestes a assinar um contrato de trabalho em uma indústria local antes de ser colocado nos respiradores artificiais. “A vida do meu filho era viver para a família e para os amigos”, resumiu. Agora, as fotografias, algumas peças de roupa e a neta se unem às lembranças da líder comunitária para atravessar os dias. Os 34 anos vividos ao lado do filho, se transformaram em 10 minutos dados a eles para render uma última homenagem antes da cerimônia fúnebre e de Diego se transformar em mais um dado humano das vítimas atestadas pela Secretaria Municipal de Saúde no relatório diário do coronavírus. “Eu tenho comigo essa dor que me devora. Eu não consegui me despedir do meu filho. A despedida é tão cruel porque você não pode ver o rosto do ente querido. Caixão fechado e pouco tempo. Eu vou ficar aqui com a saudade e com a tristeza”, soluçou Lurdes. 

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