Desde os anos 1590, quando, pela primeira vez, foi encenada nos palcos elisabetanos, que a história trágica de Romeu e Julieta, apesar do desfecho assaz conhecido, mantem-se atual e o interesse do público sempre renovado. Não importa a montagem, teatral, cinematográfica ou televisiva. Tampouco os atores ou os diretores, que invariavelmente são bons. Ou se o tema foi adaptado para épocas distintas do século XVI ou trazido para os tempos contemporâneos. Afinal, mesmo que a assinatura autoral de Shakespeare seja um selo de qualidade, que há nesse peculiar enredo para lhe assegurar tal característica?
Shakespeare, nessa tragédia clássica, dá destaque à paixão entre dois jovens de famílias tradicionais e rivais, em Verona, os Montecchio e os Capuleto, que se conhecem em um baile de máscara. Reveladas as identidades, sobrevêm os sobressaltos (a famosa cena do balcão, no jardim dos Capuleto, é emblemática). Mas, acima de tudo, Shakespeare trata da estupidez humana que insiste em manter uma rivalidade histórica, ainda que os motivos originais não mais persistam. As brigas entre os Montecchio e os Capuleto dão causas a mortes e desordem social. A intervenção do Estado (representado pelo príncipe de Verona na peça) é exigida. E, veladamente ou não, há uma critica aos casamentos por conveniência, arranjados pelas famílias, que é manifesta na insistência da mãe de Julieta para que ela se case com o nobre Páris.
Diante da impossibilidade da união e com o banimento de Romeu (pela morte de Teobaldo) de Verona, foi forjado o plano da simulação da morte de Julieta. Ser expulso de Verona era melhor do que sentença de morte, mas não muito. Diziam, na época, que não existia mundo fora dos muros de Verona. Frei Lourenço (que secretamente casara os dois jovens) deu a Julieta a famosa poção do sono. Ao mesmo tempo escreveu uma carta a Romeu relatando o estratagema para a fuga dos amantes. Romeu, que não havia recebido a missiva, tomou ciência da morte de Julieta. Desesperado, procurou um boticário. Insiste em adquirir uma dose de veneno. O boticário nega. Não pode ser cúmplice de um suicídio. Romeu, com a peculiar crueldade dos nobres, subornou o boticário com a ultrajante frase: “Eu não pago a sua vontade, só sua pobreza”. De posse do veneno, Romeu chega à cripta dos Capuleto onde Julieta jaz inerte. Beija a amada, toma o veneno e morre. Julieta acorda e encontra Romeu morto. Beija o amado e enterra uma adaga contra o próprio peito. Os Montecchio e os Capuleto, com a morte dos filhos, acabarão selando a paz. E o príncipe de Verona dá o tom final da tragédia: “Uns serão perdoados e outros punidos,/Pois nunca houve história mais triste/Do que esta de Romeu e Julieta”. Eis desfecho conhecido da mais famosa tragédia de amor da literatura.
Mas, o que torna mesmo essa história, apesar do enredo batido, tão interessante e com ares de sempre renovada? Não foram poucos os que se aventuraram a responder esse tipo de indagação. Eu escolho a análise de Jacques Derrida, que foi expressa no ensaio “L´Aphorisme à contretemps” (O aforismo a contratempo), escrito, sob encomenda, em 1986, para acompanhar uma encenação da famosa obra de Shakespeare.
Derrida insiste que o êxito da peça como tragédia está no fracasso dos amantes e que o seu malogrado fim foi motivado pelo contratempo, acidental e calculado, da carta que não chegou até às mãos do destinatário E se Romeu tivesse lido a missiva enviada por Frei Lourenço, o desfecho dessa tragédia (um destino sem destinação, como frisa Derrida) teria sido outro?
Há uma propriedade especial na estrutura do texto de Shakespeare, rotulada por Derrida de iterabilidade, que, ao lhe conferir unicidade, identificação e alteração na repetição, faculta a transposição dessa peça, para épocas e contextos diferentes, sem perder o sentido e a efetividade, dando-lhe, sempre, ares de atualidade.
Enfim, ficou interessado e quer saber mais? Leia (ou releia, agora com outro olhar) Romeu e Julieta. Como insiste Derrida, “Tudo está em Shakespeare: tudo e o resto; portanto, tudo ou quase”.