As formas de pressão para despertar a atuação mínima do governo no combate à pandemia estão centradas em dois pilares. O primeiro imperativo imposto à letargia negacionista de gestão foi a sombra partidária de João Dória. O tucano atropelou os supostos brios de Bolsonaro e da influência militar, a partir de sua ação lépida ao plantar no braço da primeira brasileira em situação de risco no fronte de atendimento hospitalar, a vacina contra o vírus maligno. O gesto mesmo afrontando a liturgia oficial, tornou-se ato inapagável de socorro e urgência ao tormento do povo. O ato derrubou falácias e conotações dúbias sobre a necessidade, inclusive perante a inconsistente propagação da preterição da primeira vacina – Coronavac. Temos aí o concreto que abala toda a conversa fiado, mediante a indulgente presença da vacina e uma pessoa vacinada. O segundo fator que pressiona pela solução científica e técnica é a consequência lógica do primeiro momento. O prestígio popular do presidente sofre abalo por omissão. O Planalto sentiu o golpe e passou a reagir imediatamente. O fanatismo político vinha iludindo a comunidade com a versão precária e mesquinha de que tudo o que viesse do ocidente vermelho seria inócuo e comunista. Na verdade, as insinuações fascistas neste sentido não param de pé por um instante. Os laboratórios farmacêuticos do mundo estão num processo virtuoso de avanços em alta velocidade, sem nada a ver com ideologia. Hoje o governo que vê pesquisas apontarem queda de apoio nessas teses absurdas, vira o jogo. Oficialmente, com a aprovação da Anvisa a vacina circula no país sinalizando esperança de cura. Agora, o próprio presidente que capitaneou a ojeriza à vacina russa, foi a público dizer que a Sputnik –V, tão logo seja aprovada pela agência brasileira, será também adquirida para socorrer o país. Tudo aconteceu repentinamente e inesperadamente, sob pressão do óbvio reconhecido pela ciência e informado ao público.
Assim, não temos tempo para criticar ou analisar o mérito da quebra do ritual, ou da paternidade dos lentos avanços na vacinação, nem mesmo os erros do fanatismo da cloroquina e outros. É preciso concentrar recursos para garantir vacina, venha de onde vier, conquanto tenha bons resultados.
Ignotos e sabujos
Costumo evitar julgamentos sobre outras pessoas. Todavia, ainda que tarefa ingente, nossa posição de observador obriga a lamentar atitudes inconsequentes em relação ao flagelo da epidemia. Referimo-nos aos que exercem funções na comunicação, nas bancadas de opinião e jornalismo, no rádio, televisão ou jornal. Respeitamos a opinião por mais divergente que seja de nosso entendimento. Referente às comprometedoras elucubrações sobre a pandemia, no entanto, dói na alma ver e ouvir determinadas alusões que mais se assemelham atitude de sabujos ignotos. Que tenham apreço pelo presidente Bolsonaro é direito democrático. Não se pode, no entanto, trair a vertente do conhecimento, ainda que não seja exato. Referimo-nos ao sarcasmo negacionista, como ouvi numa emissora local. Ao ler notícia sobre pedido de autorização da Coronavac, pelo Butantan, o dito apresentador emendou comentário debochado, com desprezo injusto. Expressou muxoxo reprovando a citação da vacina anunciada em fase final de teste. Ao citar o nome da China foi ainda mais irônico, desconhecendo a tradição de pesquisa e tecnologia daquele país. É possível que nem tenha noção geográfica sobre o citado país. Se não fizesse comentário, atendo-se ao texto escrito, manteria encoberta sua ignorância, ou seu pensamento fundamentalista contra tudo o que vem do Oriente. É nobre a missão de comunicar pelo rádio, mas é preciso manter o pensamento crítico sobre o direcionamento da opinião, sob pena de orientação absurda. Talvez não saiba que a China produz o Insumo Farmacêutico Ativo – IFA para mais de 180 países, inclusive o Brasil. É questão tecnológica, separada da ideologia política. O que vemos aí é a resultante de uma narrativa perversa sobre a ciência, difundida pelo ex-presidente Trump e copiada por Bolsonaro. Para o Brasil, o quadro é mais cruel, considerando a distorção aguda entre os formadores da opinião pública. Cabe a velha advertência romana: “Qualescunque sumi viri sunt, talen civitatem habemos” (teremos governantes bons, quanto for a qualidade de seu povo).