Em uma das chamadas telefônicas cotidianas que a diretora de finanças do Sindicato da Saúde de Passo Fundo (Sindisaúde), Terezinha Perissinotto, recebe de profissionais dos hospitais de referência, uma técnica de enfermagem disse que queria demissão. Estava sobrecarregada. Não conseguia mais suportar os plantões estendidos em um dos centros de atendimento a pacientes com coronavírus no município.
Há um ano trabalhando na reabilitação dos doentes e observando as internações aumentarem, ela disse, ainda sem muita certeza, que talvez fosse vender comida para garantir os ingressos mensais. “Ela é uma enfermeira com anos de experiência e um vasto conhecimento. Poderia trabalhar em qualquer ponta do hospital”, aludiu Terezinha em um diálogo com o jornal O Nacional na terça-feira (16). A rotina de superlotação nos leitos por causa da pandemia, que condiciona os profissionais a uma turbulenta carga horária, tem condicionado um aumento nos pedidos de desvinculação empregatícia dos trabalhadores de enfermagem, hotelaria e da área médica nos hospitais.
De fevereiro a março deste ano, 42 técnicos das enfermarias locais pediram para deixar os seus postos por cansaço, estresse e depressão, segundo indicou a sindicalista. “É desumano o que eles estão vivendo. Não adianta abrir leitos se não tem médico intensivista e enfermeiros que cuidem dos pacientes”, afirmou Terezinha. “Na UTI, eles são colocados de bruços e saem desorientados, com dificuldade para caminhar, e é preciso ter profissionais para acompanhar”, descreveu. Sem contabilizar os contaminados pela covid-19 em ambiente hospitalar, e que precisam cumprir o isolamento domiciliar, as solicitações de dispensa que chegam ao Sindisaúde são quase diárias e vão se acumulando ao final de cada semana. “Eu vejo vídeos de festas, é um absurdo. Quantas dessas pessoas vão estar engrossando as filas dos hospitais daqui a alguns dias?”, desabafou.
Nota pública
Como a rede hospitalar passo-fundense foi sobrecarregada desde os primeiros meses de pandemia, contou Terezinha, as queixas de exaustão são mais frequentes nos profissionais que atuam na rede pública de saúde, mas passou a ser frequente também na rede privada, que atingiu 203,7% na taxa de ocupação de leitos na terça-feira (16). “As pessoas não têm noção da pressão que é em época de pandemia. Elas precisam começar a achar isso [pandemia] importante”, enfatizou. “Os profissionais se sentem desrespeitados. Um me ligou e disse que apostava que nem na guerra não se via a calamidade que está sendo. ‘Estamos em 2 para atender 20 pacientes’”, narrou Terezinha.
Em apelo, o SindiSaúde emitiu uma nota pública, na segunda-feira (15), manifestando preocupação com o agravamento das internações e a rápida evolução dos pacientes para as unidades de terapia intensiva. “[Os profissionais] estão adoecendo e enfrentando o paradoxo do medo e da necessidade de cumprir seu dever”, destacou o comunicado. “Enquanto não tiver vacina, não temos como fazer outra coisa a não ser evitar aglomeração e usar máscara”, lembrou a diretora.
O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CREMERS) também se manifestou no marco de um ano dos efeitos da crise sanitária no país reconhecendo o trabalho dos médicos gaúchos que, como ponderou a entidade, “trabalham, muitas vezes, acima de sua capacidade operacional, correndo riscos extremos e enfrentando condições inadequadas de carga horária, equipamentos e instalações”.