Almas gêmeas. É assim que Andréa Nunes, filha do ex-vereador e ex-secretário municipal Édison Nunes e da professora aposentada Cléa Nunes, descreve o amor que os pais compartilharam durante os 48 anos de casamento e até as últimas horas de vida. O casal estava internado no Hospital de Clínicas (HC) de Passo Fundo em decorrência de complicações causadas pela Covid-19. Édison, de 73 anos de idade, não resistiu à doença e faleceu nessa sexta-feira (19). A esposa Cléa, 68, ainda aguardava por um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na mesma instituição no momento em que o marido morreu. Quando finalmente conseguiu a vaga, na noite da última sexta-feira, foi para ocupar o leito deixado pela partida de Édison. No entanto, devido à gravidade do quadro, Cléa também perdeu a luta contra o vírus. Ela faleceu no sábado (20), um dia após o marido. O casal deixa cinco filhos e quatro netos.
Ao resgatar a cronologia dos fatos, Andréa conta que o pai estava internado em um dos leitos clínicos do HC reservados aos pacientes com coronavírus desde o dia 5 deste mês. No dia 8, foi transferido para um leito de UTI e, no dia seguinte, precisou ser intubado, quadro que se manteve até o último dia 19, quando faleceu. Embora tivesse testado positivo para Covid na mesma data em que Édison, Cléa precisou de internação apenas no dia 11 de março e, no dia 17, entrou para a fila da UTI.
“O pai veio a óbito no dia 19, às 20h40min. Quando a morte dele foi confirmada, ligaram para minha irmã [Luciana] dizendo ‘acabou de vagar um leito da UTI que é de um familiar teu, estamos transferindo teu outro familiar para o leito’. A gente entende, espiritualmente, que o pai partiu para dar uma chance para a mãe no leito de UTI, para ela ter chance de viver. A mãe ficou no leito que o pai estava e, um dia depois dele, veio a falecer. Acreditamos que as almas dos nossos pais estavam conversando”, resgata a caçula dos cinco filhos [Alexandre, Maria Augusta, Eduardo, Luciana e Andréa].
Legado de contribuições à comunidade
Juntos há quase cinco décadas, Cléa e Édison eram conhecidos em Passo Fundo pelas contribuições deixadas à comunidade. Formado em Medicina Veterinária, Édison Armando de Franco Nunes atuou como fiscal federal agropecuário no Ministério da Agricultura até o ano de 1997. No período de 1993 a 1995, foi secretário municipal de Agricultura, época em que criou de forma pioneira no país o Serviço de Inspeção Municipal de Produtos de Origem Animal. De 1995 a 1996, desempenhou a função de diretor do Departamento de Produção Animal da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado do Rio Grande do Sul e, no ano seguinte, elegeu-se vereador pela primeira vez, tendo exercido outros dois mandatos em seguida. Ele foi também um dos criadores do curso de Medicina Veterinária da UPF, idealizador do Hospital Veterinário da instituição e membro da Academia Riograndense de Medicina Veterinária.
A trajetória política teve continuidade em 2013, quando assumiu a Secretaria de Captação de Recursos na gestão do prefeito Luciano Azevedo e, depois, como Secretário de Transparência e Relações Institucionais. O ex-prefeito, amigo de Édison desde 1992, diz ter conhecido poucas pessoas com tanta vocação para a vida pública quanto o antigo secretário. “O Édison participava de tudo, aceitava todos os convites, dava atenção para todas as pessoas. Ele se interessava de verdade pelas questões comunitárias e sempre tinha uma palavra e contribuição para dar em relação aos assuntos coletivos”, recorda Luciano.
A admiração profissional é compartilhada pelo médico veterinário Flauri Migliavacca, amigo de Édison desde os anos 1970. Juntos, eles colaboraram para a fundação do curso de Veterinária da UPF. “A gente teve uma amizade e um profissionalismo fantástico. Depois que o Édison fundou o primeiro Serviço de Inspeção Municipal de Produtos de Origem Animal, mais de três mil municípios copiaram ele. Ele foi um veterinário inovador, arrojado, fantástico”, avalia. Sem conter o choro, o amigo lamentou: “Eu acho que é brincadeira deixar esse cara morrer do jeito que morreu, não dá para admitir. É uma perda irreparável”.
Quatro décadas dedicadas à educação
Assim como o marido, Cléa Nunes também deixou contribuições importantes no cenário educacional de Passo Fundo. Graduada em Matemática, além de ter atuado na rede estadual de educação, Cléa foi também chefe do Departamento de Matemática e Desenho da UPF, coordenadora do curso de Matemática, diretora do Instituto de Ciências Exatas e Geociência e vice-reitora de Extensão e Assuntos Comunitários na Universidade de Passo Fundo. Colega de profissão, a professora Magda Moreira relembra com carinho a trajetória de Cléa na área educacional. “Eu conheci ela na UPF, há quarenta anos. Convivemos como se fôssemos irmãs e me tornei madrinha de um dos filhos dela. Ela era reconhecida por seus alunos como uma excelente professora, tinha sempre um clima de amizade com os alunos e atuava com muita garra”, comenta.
Como pessoa, Cléa era vista como alguém alegre e cheia de vida, sempre pronta para contribuir com quem precisasse. “Eu digo que ela entrou no céu dançando e que meu pai estava lá esperando ela por lá. Eles eram muito companheiros. Os dois juntos construíram coisas que só agora eu e meus irmãos estamos vendo. Eles são gigantes e estão por todos os lugares – na cidade e conosco”, descreve Andréa. Poeta, a filha caçula do casal diz que pretende contar essa história de esforço e companheirismo em um livro. “Minha mãe pediu, antes de entrar na UTI, que eu escrevesse um livro com a história deles. Tudo que estou falando aqui, um dia será publicado em um livro que eu escreverei para ela”.