Há quem afirme que não existe uma biografia de Blaise Pascal (1623-1662), apenas muitas hagiografias. Entre os que advogam (e fundamentam) essa tese, está o historiador da ciência Alexandre Koyré. As razões para tal ele explicitou na comunicação feita em novembro de 1954 a um Seminário sobre Blaise Pascal, sob o título “Pascal Sábio”. Afinal, é bem conhecido que boa parte da obra de Pascal se perdeu (sobraram fragmentos) e a personalidade do gênio foi tão deformada pela hagiografia pascalina, que como sói acontecer em toda hagiografia (biografia de santo), retratam-no mais como uma criatura angelical do que como um ser humano.
Pascal era adepto de demonstrações matemáticas “à maneira dos antigos”, ou seja, ao estilo dos gregos. Recusava-se a usar fórmulas. Era um geômetra e não um algebrista. E isso lhe custou a descoberta da fórmula do binômio, que deixou para Newton, e de diferencial, que deixou para Leibniz. Descobertas feitas depois dele, e, certamente, graças a ele. Pascal sobressaia-se pela engenhosidade e pela clareza. Muitas páginas de texto viravam 10 linhas sob a pena de Pascal. Mas, o seu lado humano negativo também aflorou ao omitir o nome de Evangelista Torricelli (1608-1647), que, originalmente, fizera as descobertas sobre os estados de equilíbrio dos líquidos (relacionadas com pressão).
Num misto de biografia e hagiografia, Blaise Pascal representa a síntese perfeita de duas coisas que aparentemente irreconciliáveis: a razão e a fé. Esse francês, nascido em 19 de junho de 1623, em Clermont-Ferrant, escreveu, aos 16 anos, o clássico “Ensaio sobre as cônicas” (Éssai pour les coniques). Foi o inventor do que se pode chamar de primeira calculadora manual. Realizou experiências com a pressão atmosférica, escreveu um tratado sobre o vácuo, inventou a prensa hidráulica e a seringa, aperfeiçoando, ainda, o barômetro de Torricelli. Também ficaram célebres as suas teorias sobre probabilidades e o seu tratado do triângulo aritmético. E, apesar de tudo isso, há quem considere mais relevante a obra do teólogo e escritor que a do cientista, identificando Pascal, pelo seu estilo elegante e breve, como o primeiro grande prosador da literatura francesa.
Em 1639, com problemas de saúde, Blaise Pascal começou a abraçar a causa jansenista. Essa doutrina, criada pelo teólogo holandês, Corneliu Jansen, surgiu no seio da Igreja Católica, no século XVII, e acabou condenada em várias bulas papais. O jansenismo atribuía a salvação da alma ao juízo prévio e insondável do Criador. Seus principais adversários eram os teólogos da Companhia de Jesus que, influenciados pelo iluminismo, passaram a pregar a importância do livre-arbítrio e da colaboração da vontade humana na salvação.
As ideias jansenistas foram acolhidas com especial fervor por Jean Duvergier de Hauranne, diretor espiritual da abadia de Port-Royal. Um grupo de intelectuais influentes estabeleceu-se em Port-Royal. Entre eles, Blaise Pascal. Surgiu um Pascal cristão, que aos 32 anos, entra na luta contra os jesuítas. Publica, de 1656 a 1657, uma série de 18 cartas anônimas, atacando duramente os jesuítas, as quais compõem a monumental obra “As Provinciais” (Les Provinciales) que, junto com o “Livro dos Pensamentos” (Pensées), reafirmação da sua fé cristã, são as suas obras mais conhecidas.
Pascal acabaria morrendo em Paris, aos 39 anos, no dia 19 de agosto de 1662. Foi um homem genial, acima de tudo, mas não um anjo. Talvez sua frase mais popular, repetida por muitos, seja esta: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”. Eu prefiro, pela atualidade, essa outra, que foi muito difundida por Edgar Morin: “As ciências têm duas extremidades que se tocam. A primeira é a pura ignorância natural em que se encontram todos os homens ao nascer. A outra extremidade é aquela a que chegam as grandes almas, que, tendo percorrido tudo que os homens podem saber, constatam que eles nada sabem e se encontram nessa ignorância da qual eles haviam partido: mas é uma ignorância sábia que se conhece”. Eis o sábio e humano Pascal!