No começo de 2021, ao comprar o livro “Conhecimento, ignorância, mistério”, de Edgar Morin, eu, cá com meus botões, pensei: eis o último Morin! Parecia sensata essa ideia. Afinal, Edgar Morin está à beira dos 100 anos, que serão completados no próximo dia 8 de julho. Mas, ledo engano, pois na noite de quarta-feira (26/05/2021), eis que o amigo Elisson Pauletti surgiu garbosamente, em fotografia enviada pelo WhatsApp, segurando o novo livro de Morin: “É hora de mudarmos de via: as lições do coronavírus”, de 2021 (Título original: Changeons de voie: les leçons du coronavirus). Eu devia ter imaginado que se tratando de um intelectual obcecado pelo conhecimento como Morin, enquanto vivo, cada obra, jamais deve ser vista como a última. No caso da que eu cito, a antepenúltima ou, no máximo, como essa recém-adquirida pelo Elisson, a penúltima. Isso até o presente, pois são posições relativas que podem mudar a qualquer momento com a publicação de uma nova obra.
Em “Conhecimento, ignorância, mistério”, Edgar Morin retoma temas que lhe são caros, como: O que conhecemos? O que podemos conhecer da realidade? E ressalta que vive cada vez mais com a consciência e o sentimento da presença do desconhecido no conhecido. Além de manter-se coerente ao afirmar que devemos buscar ir além do conhecimento exaustivo de um fragmento minúsculo do saber (saber tudo sobre nada) e se lançar na busca do caminho para a detecção dos conhecimentos essenciais e depois ligá-los uns aos outros. Eis a receita de Morin para tratarmos dos problemas fundamentais que afligem o mundo nesse começo de século XXI: articular os saberes uns aos outros e torná-los complementares. O maior mal no reino das especialidades na ciência, insiste Morin, é ser ignorante da própria ignorância. Mas, evidentemente, a nossa ignorância contemporânea é diferente da ignorância antiga, que vinha da falta de conhecimento. A atual é uma ignorância derivada do próprio conhecimento. Apesar de sabedores que grande parte do desconhecido atual é provisória e virá a se tornar conhecida depois.
Morin lança mão do provérbio japonês que diz que “a rã no fundo do poço não conhece o alto-mar” para nos fazer refletir que, pela via da ciência e do conhecimento, não precisamos nos limitar a esse “destino de rã de fundo de poço”. Somos portadores da história do cosmo e da história da vida, mas delas estamos separados pela originalidade de nossa cultura, de nossa linguagem, de nossa consciência. E ratifica o entendimento de que o que é conhecido hoje continua desconhecido, apesar de conhecível, porque nossas escolas, nossos colégios e universidades não nos ensinam o que é o humano. Vivemos atormentados pela presença da morte ao ponto de projetarmos uma vida depois da morte. E que a consciência deveria ser posta a serviços de tomarmos consciência do inconsciente em nós. Mas, cuidado com o risco da falsa consciência que se julga consciência verdadeira. Vivenciamos, intensivamente, a crise da humanidade que não consegue se tornar humanidade. Morin, apesar de não ter mais a vitalidade intelectual demonstrada em “O método”, finaliza “Conhecimento, ignorância, mistério” exortando o velho mantra do conhecimento complexo como o caminho para não continuarmos ignorantes da nossa ignorância.
Um Edgar Morin algo diferente, mais intimista (fumando maconha para relaxar, aos 87 anos), pode ser encontrado nas páginas do livro “Edwige, a inseparável”. Nessa obra, Morin relata a historia de amor com a mulher que conheceu em 1961, mas passou a conviver em 1978, até a morte dela em 29 de fevereiro de 2008. Descrições minuciosas do dia a dia do casal e de viagens. Uma espécie de diário de como ele passou quase um ano e meio processando o luto pela morte de Edwige até a entrega dos originais da obra ao editor.
Os passo-fundentes tiveram o privilegio de conhecer Edgar Morin pessoalmente em 2003, quando da sua estada em Passo Fundo. Na ocasião participou da Jornada de Literatura e recebeu o título de Professor Honoris Causa da Universidade de Passo Fundo. Um legado da Professora Tania Rösing.