Ao findar a década de 1960, por ser advogado de Múcio de Castro e do jornal, havia estabelecido uma rotina de visitas de fins de tarde à sua redação, na sua antiga sede da Avenida, vizinhando com a nova sede do Banco do Brasil.
Quando ainda não se falava em happy hour, naquele horário se revezavam no gabinete de Múcio de Castro personagens emblemáticos da velha guarda passo-fundense, quase todos já desaparecidos. Eram políticos, jornalistas, intelectuais, empresários, rotarianos, advogados, que se reuniam em torno da figura de Múcio. As visitas e as libações não raro seguiam noite adentro, uns entrando e outros saindo, para preocupação das esposas, que pouco sabiam das andanças dos maridos nos horários entre o entardecer e a chegada da noite.
Sem nunca perder o rumo das conversas, em meio à fumarada dos cigarros e charutos e às rodadas de escoceses de boas marcas, Múcio dominava o ambiente. Sentado à sua mesa, sem perder o ritmo das conversas, prosseguia imperturbável em seu trabalho, só às vezes se interrompendo para alguma tirada ou observação irônica, continuava a datilografar pausadamente em sua inseparável máquina de escrever — se bem recordo era uma Remington — seus editoriais e noticiários.
Sempre havia um bom número de frequentadores, todos do sexo masculino. Geralmente lá estavam o poderoso comendador Tadeu Annoni Nedeff, o mais importante empresário da cidade, cordial e tolerante; o Eleodoro Antunes, da Casa Sonora; o major Cordeiro, eterno presidente do sindicato dos jornalistas; Nei Vaz da Silva, comerciante de máquinas agrícolas, espírita e rotariano, que chamavam “irmão Nei”, estimado por todos; Conrado Hexsel, dono da melhor joalheria da cidade; e o alfaiate Eblem Kalil, mestre da tesoura, que se tornaria meu bom amigo e cliente, responsável pela confecção dos mais esmerados trajes que experimentei. Às vezes apareciam Avelino Andreis, da Sulina, o industrial Hélio Bernardon, o advogado Ruy Rache, Celso Fiori, Azir Trucollo, entre outros. Esporadicamente havia visitas de Porto Alegre e de municípios vizinhos ou políticos importantes que vinham a Passo Fundo e nunca deixavam de visitar o jornal, como o prefeito Loureiro da Silva, o ministro Tarso Dutra e o deputado Fernando Ferrari, todos recebidos por Múcio com seu jeito bonachão e hospitaleiro.
Em momentos críticos, quando havia algo mais grave a tratar, como aconteceu quando da apreensão do jornal por ordem do major Grey Belles, comandante do 20º de cavalaria, se reuniam a portas fechadas políticos e amigos mais chegados de Múcio. Eram eles Daniel Dipp, ex-prefeito e ex-deputado federal; os advogados Augusto Trein, Romeu Martinelli, o promotor Lauro Guimarães, os vereadores Fidêncio Franciosi e Arthur Canfield e o próprio prefeito Menegaz. Algumas vezes éramos convocados o vereador Paulo Pires e eu, como advogado da casa.
Dos presentes o mais jovem era eu. Algo intimidado, pois aprendi que não se deve interferir nas conversas dos mais velhos, mais ouvia do que falava. Apenas observava e escutava o que diziam aqueles senhores circunspectos ou nem tanto em seus momentos sérios ou descontraídos. Claro que de muito me serviram suas confidências, em todos os sentidos. Nunca deixei de levar em conta que o diabo sabe mais por velho do que por diabo.
Pela redação circulavam o Walter Siliprandi e o Nicolau — encarregado dos uísques, do gelo e de algum acepipe providenciado por D. Ada. Nas salas contíguas, a postos em suas meses, pois era o horário de maior movimento da redação, estavam Vieda, João Freitas, Décio Ilha e Paulo Roberto Pires, redatores do jornal (o Cafruni já tinha ido para a prefeitura). O Tarso também, quando deixava o Rio de Janeiro para temporadas em Passo Fundo. Ainda não tínhamos por ali o Mucinho, muito jovem ainda, que estudava em Porto Alegre. Nem o Tasca, o Santarém e o Meneghini, que mais tarde viriam enriquecer a equipe. Mas lá estavam Gilka e Paulo, auxiliando seu pai na administração do jornal.
Aquelas inesquecíveis tardes do passado foram para mim como um rito de passagem, que aos poucos ia me transportando dos sonhos e ilusões da juventude para a nua e crua realidade dos adultos.
*Por Luiz Juarez Nogueira de Azevedo