Depredação de monumentos deixa perdas históricas para a cultura local

Para Secretaria Municipal de Cultura, danos deixados por atos de vandalismo envolvendo o Chafariz da Mãe Preta e o monumento de Gervásio Annes ainda são difíceis de mensurar

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No Chafariz da Mãe Preta, vândalos levaram o rosto em bronze e as letras que contavam a história do local(Foto: Luciano Breitkreitz/ON) No Chafariz da Mãe Preta, vândalos levaram o rosto em bronze e as letras que contavam a história do local(Foto: Luciano Breitkreitz/ON)
No Chafariz da Mãe Preta, vândalos levaram o rosto em bronze e as letras que contavam a história do local(Foto: Luciano Breitkreitz/ON)
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A ação de vândalos que depredaram dois monumentos de Passo Fundo, na última sexta-feira (29), fez ressoar na comunidade a discussão a respeito da importância da preservação de patrimônios que simbolizam parte da histórica local. Para a secretária municipal de Cultura, Miriê Tedesco, mais do que prejuízos materiais, os episódios envolvendo o Chafariz da Mãe Preta, onde foram furtados o rosto em bronze e as letras que contavam a história da lenda e do local, e do furto da placa em bronze que ficava fixada aos pés do monumento em homenagem a Gervásio Annes, na Praça Tamandaré, deixam perdas históricas e culturais.

A secretária salienta que, quem vandaliza, não destrói somente uma obra, mas também a história e o esforço daqueles que trabalharam para perpetuar uma ideia. “Os monumentos são a representação material de eventos históricos, homenagens, manifestações artísticas e culturais. São, também, parte da estética da cidade, atrativo turístico e, são tudo isso, de uma forma muito democrática, já que estão disponíveis ao olhar sempre que qualquer pessoa passe pelos locais onde são edificados”. A Secretaria Municipal de Cultura afirma que ainda está estimando a extensão dos danos causados, mas adianta que a recuperação não deve ser fácil, tampouco poderá trazer de volta o feito original.

 

O significado dos monumentos

Os monumentos são considerados uns dos mais importantes do município e já haviam passado, recentemente, por um processo de revitalização devido à recorrência de depredações. A primeira construção do Chafariz da Mãe Preta, por exemplo, data do período escravagista de 1863, e foi oficialmente reconhecida com o nome que leva hoje em 1965, quando a Prefeitura de Passo Fundo resolveu reconstruir a fonte, embora a revitalização tenha ocorrido somente em 1982. Representativo da cultura afro-brasileira e da escravização, o monumento remete à lenda de uma escrava de Cabo Neves, que teria morrido de tristeza ao ver o filho fugir para nunca mais voltar. Das lágrimas de tristeza deixadas por ela, teria brotado a fonte que deu origem ao Chafariz da Mãe Preta.

Já o monumento localizado em um ponto nobre da Praça Tamandaré, data de 1921 e é uma homenagem ao advogado, político e jornalista brasileiro Gervásio Annes, uma das principais lideranças do Partido Republicado, que foi eleito deputado estadual na 21ª legislatura da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e prefeito de Passo Fundo em 1896 a 1900 e 1908 a 1912. Foi ele também o responsável por conquistar, enquanto deputado, a elevação da então Vila do Passo Fundo à categoria de Município de Passo Fundo.

Ao falar sobre a importância dos monumentos para a cidade, a historiadora Gizele Zanotto lembra, primeiro, que nem sempre monumentos representam uma comunidade por inteiro – especialmente em casos de líderes, como foi Gervásio Annes, mas também de personagens como a Mãe Preta –, ainda que não deixem de ser significativos para determinados grupos locais em função do ideário que o homenageado representa. “Apesar de seus significados diversos e de não deixaram de ser apelos em honra a personalidades, temas, grupos e eventos, a importância desses monumentos como vetores de rememorações e memórias para os munícipes tem de ser considerada importante. Monumentos são feitos para serem vistos e acionar elementos de um passado a ser recordado, assim como são utilizados como pontos referenciais de visitação e de localização para muitos. São elementos interessantes para se pensar a história e memória locais”, explica.

 

Recorrência de episódios de vandalismo pode ter relação com crise econômica

Embora a depredação do Chafariz da Mãe Preta e do monumento de Gervásio Annes chame a atenção pela importância histórica desses patrimônios para a cidade, os casos não se tratam de episódios isolados. Ações de vandalismo envolvendo a suspeita de furto para venda do material não são raras em Passo Fundo e tem, segundo relatos, se tornado cada vez mais comuns, ainda que o Município não disponha de um levantamento acerca dessas ocorrências. As práticas incluem também roubos a placas e estátuas localizadas em cemitérios.

A historiadora Gizele arrisca dizer que, há tempos, o município não vivenciava depredações tão constantes quanto nos últimos meses. “Essa ação tem relação com uma realidade muito mais ampla. Os materiais furtados são hoje passíveis de venda para a sobrevivência de milhares de miseráveis que têm se multiplicado ante o aprofundamento das crises política, econômica e moral da sociedade brasileira. Infelizmente, temos tido roubos pela sobrevivência, e lamentavelmente essa face está sendo silenciada em prol de uma discussão somente voltada a danos materiais. Claro que não estou fazendo apologia das depredações de materiais em monumentos, só estou lembrando que a situação contextual é muito importante para se pensar esta realidade que, em tempos anteriores, quando a miséria não foi tão grave, não eram comuns”, analisa.

Na percepção da historiadora, é preciso pensar no contexto que tem levado à recorrência de atos de vandalismo motivados pela venda dos materiais furtados, por se tratarem de danos morais profundamente mais sérios que danos materiais, uma vez que se relacionam à “inviabilização dos pobres, da insensibilidade para com outros humanos que são rapidamente classificados como vagabundos, quando de fato são resultado da falta de assistência social, de saúde, garantia de emprego e de segurança, assim como de moradia, como prevê nossa Constituição”, nas palavras dela.


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