Passo Fundo se converte no 5º município gaúcho que mais recebe venezuelanos

Pandemia aumenta demanda por regularização de documentos e solicitações de auxílios financeiros do Governo Federal

Por
· 4 min de leitura
Desde o começo da Operação Acolhida, mais de 400 venezuelanos foram interiorizados em Passo Fundo. (Foto: Bruno Covelo/ACNUR)Desde o começo da Operação Acolhida, mais de 400 venezuelanos foram interiorizados em Passo Fundo. (Foto: Bruno Covelo/ACNUR)
Desde o começo da Operação Acolhida, mais de 400 venezuelanos foram interiorizados em Passo Fundo. (Foto: Bruno Covelo/ACNUR)
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Naquela manhã de 21 de agosto de 2019, o Cel. Augusto Souza Coelho permaneceu em pé durante cerca de 40 minutos em uma das salas da Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Agronegócios (ACISA) e foi lá mesmo que o chefe da Força Tarefa Logística Humanitária Brasileira expôs as diversas faces do refúgio que se apresentavam aos Oficiais do Exército na fronteira entre Santa Elena de Uairén, na Venezuela, e Pacaraima, em Roraima. 

Três anos depois deste primeiro aceno às autoridades políticas e à classe empresarial do município, em um apelo pelo amparo aos migrantes para desoprimir o fluxo massivo de pessoas em deslocamento que entravam no país através das delimitações territoriais nos estados do Norte brasileiro, Passo Fundo se converteu na quinta rota mais buscada pelos venezuelanos interiorizados no Rio Grande do Sul, conforme revelou o painel de monitoramento da Operação Acolhida na quinta-feira (5), cuja comunidade em expansão já contabiliza cerca de 404 cidadãos desta nacionalidade fixando moradia na cidade.

Apesar do município constituir, junto a Porto Alegre, Canoas, Caxias do Sul e Esteio, um dos principais centros de inserção dos migrantes à cultura local após as saídas forçadas motivadas pela profunda crise econômica que fratura a estrutura social da Venezuela, a coordenadora do Balcão do Migrante e Refugiado (Balcão Migra), Patrícia Noschang, lembra que a abertura de postos de trabalho e a disponibilidade de moradia estimula a mudança para outras localidades da região, sobretudo aos bairros de Sarandi, Tapejara e Marau. “A migração é diferente para cada nacionalidade. Os venezuelanos migram em famílias. Alguns haitianos migram em família também, mas é uma característica muito mais dos venezuelanos”, observou Patrícia, que também é docente na Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo (UPF). 

O Balcão Migra está localizado na Faculdade de Direito, no Campus I, da Universidade de Passo Fundo. Informações pelo telefone: 3316-8178 ou e-mail: [email protected]


Pandemia

Ao longo destes 33 meses em que os aviões da Força Aérea Brasileira pousaram no Aeroporto Internacional Salgado Filho em Porto Alegre para o desembarque doméstico dos migrantes que, momentos depois, viajariam pelos corredores rodoviários até Passo Fundo, a nova onda de deslocamento e refúgio, que levou cerca de 4 milhões de venezuelanos a deixarem o país, se fundiu com a crise sanitária provocada pelo coronavírus. 

Mesmo que o Governo Brasileiro tenha enrijecido as regras para a locomoção interestadual, o mês de outubro de 2021 respondeu pelo período com maior chegada de venezuelanos ao município. “Estamos com o passivo desde o ano passado. A maioria dos agendamentos é de documentos que venceram durante a pandemia”, mencionou Patrícia. “Firmamos o convênio de que teríamos 50% da agenda da Polícia Federal. Então, se a Polícia Federal tem 12 atendimentos diários para migrantes, 6 são nossos”, recordou a coordenadora especialista em Direito Internacional ao ponderar que em torno de 700 pessoas ainda aguardam assistência para a regularização de documentos. 

Apenas entre os meses de fevereiro e março deste ano, 697 migrantes ingressaram com pedidos de orientação jurídica, sendo 61,4% deles venezuelanos; 13,7% haitianos; 8,4% senegaleses e 3,9% cubanos, conforme os dados fornecidos pelo Balcão Migra ao O Nacional. “A delegacia da Polícia Federal [de Passo Fundo] é a maior do Brasil em circunscrição porque abrange 123 municípios, então também estamos atendendo ao mesmo número de cidades”, ressaltou Patrícia. 


Estabilidade

A força-tarefa logística e humanitária, em funcionamento desde 2018, apresenta reflexos sustentáveis nesse propósito de desenvolvimento socioeconômico às famílias que viviam sob o regime de Nicolás Maduro, de acordo com o relatório mais recente da Agência das Nações Unidas para refugiados (ACNUR) divulgado em dezembro do ano passado. 

A análise contida no documento destaca que o acesso ao mercado de trabalho e à educação é maior entre os venezuelanos interiorizados, em comparação com a população que segue abrigada nos alojamentos instalados pelo Ministério da Defesa e pelas cerca de 95 agências internacionais de proteção e direitos humanos e entidades religiosas que servem como moradia temporária para as famílias em Roraima. “O migrante é muito circulante e, às vezes, você encontra pessoas com boas formações, mas que precisam validar o diploma para poder exercer a profissão no Brasil. Então, por isso que você os encontra trabalhando em mercados, em obras de estradas. Depende muito da formação para decidir o posto de trabalho”, considerou o coordenador da agência FGTAS/ Sine em Passo Fundo, Sérgio Ferrari.

Embora a força laboral dos venezuelanos com vínculo formal seja remunerada com um salário médio de R$ 1.325,20, o que representa quase a metade da renda da população brasileira, que ganha R$ 2.433, segundo a ACNUR, não é incomum as famílias realocadas solicitarem auxílio dos programas sociais do Governo Federal. 

Operação Acolhida teve início em março de 2018. Foto: Arquivo/ON


De acordo com a interface do Ministério da Cidadania, 161 núcleos familiares formados por migrantes da Venezuela, que residem em Passo Fundo, foram cadastrados no CadÚnico dos quais 104 recorreram ao pagamento do Auxílio Emergencial disponibilizado aos cidadãos em situação de vulnerabilidade econômica durante a pandemia. “Quando o migrante sai do trabalho, como está regido pela CLT, ele também tem direito ao seguro-desemprego. São os mesmos direitos do cidadão brasileiro", afirmou Ferrari ao comentar a intermediação da agência com os estrangeiros residentes na cidade.

Ao enfatizar uma desigualdade de gênero na comparação entre as rendas dos homens e das mulheres venezuelanas, a pesquisa da ACNUR se funde com as estatísticas federais que apontam 127 mães chefes de famílias recebendo os recursos mensais do Bolsa Família no município representando um aumento de 807,1% nas solicitações do benefício entre janeiro de 2020, quando apenas 14 famílias de venezuelanos eram beneficiárias, e as 127 em outubro de 2021. “Sexo, raça e etnia levam a desigualdades estruturais vividas pelos venezuelanos antes, durante e depois do processo de realocação, e essas diferenças devem ser tratadas por políticas específicas”, recomenda a Agência da ONU para Refugiados.

Gostou? Compartilhe