Ligações públicas de água poderão ser desativadas em seis ocupações urbanas de Passo Fundo

Bicas foram instaladas no início da pandemia para prover recurso a 637 famílias de baixa renda

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Justiça acolheu pedido do Ministério Público para interrupção no fornecimento de água potável. (Foto: Arquivo ON)Justiça acolheu pedido do Ministério Público para interrupção no fornecimento de água potável. (Foto: Arquivo ON)
Justiça acolheu pedido do Ministério Público para interrupção no fornecimento de água potável. (Foto: Arquivo ON)
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As 637 famílias residentes nas ocupações 4 do Bairro Alexandre Zachia, Acampamentos Indígenas do Parque Municipal Wolmar Salton, Bela Vista, Vista Alegre e Beira-Trilhos poderão perder as ligações públicas de água instaladas no início da pandemia por determinação do Tribunal de Justiça do Estado após a sentença emitida pela 1ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública da Comarca de Passo Fundo que reconheceu válida a colocação das bicas públicas apenas durante o período mais agravado da crise sanitária. 

O despacho, assinado eletronicamente pela juíza Rossana Gelain, determina ainda que o pagamento das contas relativas ao período de consumo do recurso pelos moradores de baixa renda, entre abril de 2022 e maio deste ano, seja de responsabilidade do Poder Público Municipal considerados os prazos de isenções, a suspensão de leituras de consumo e a cobrança de tarifa social. “Inegável as ocupações das áreas e a consequente situação de irregularidade das famílias, sem qualquer permissão ou título que as legitime, ostentando, assim, a condição de meros detentores das áreas, não gerando o direito postulado, ante a ilicitude das invasões perpetradas”, argumentou a magistrada.

Ao acolher o parecer da Promotoria de Justiça Cível do município que revogou, em 3 de agosto, a ação coletiva apresentada pela Defensoria Pública ao julgar parcialmente procedente a retirada das torneiras públicas, a sentença apresenta como umas das justificativas a portaria do Ministério da Saúde, publicada em abril, declarando o fim da emergência em saúde pública em decorrência do coronavírus no território nacional. “Seguindo a linha de raciocínio do Ministério Público, não se desconhece o fato de que o fornecimento de água potável é essencial a qualquer pessoa, contudo, tal direito deve ser relativizado em certas circunstâncias, como nas que se apresentam nos autos”, diz um dos trechos do despacho. 

No mesmo documento, a magistrada mencionou que as ocupações indígenas já estariam sendo abastecidas diariamente, por intermédio da FUNAI, com caminhões pipa da CORSAN, enquanto as ocupações Bela Vista e Vista Alegre são áreas particulares e a Ocupação Antonio Donin está em uma zona territorial federal, “sendo que todas já possuem, ao que tudo indica, bicas públicas, ou seja, também já se encontram sendo abastecidas”, alega. “As ocupações Beira Trilho e Zachia, por sua vez, também já possuem o abastecimento de água, em que pese de forma clandestina, conforme apontado pela CORSAN”, prosseguiu a argumentação da juíza. 


Contestação 

Ao considerar que a decisão “atenta contra a dignidade e saúde humana”, a advogada e integrante Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), Rafaela Cacenote, cita o aumento no número de casos ativos observados como uma das contestações à sentença. “Se tiver surtos de coronavírus dentro das ocupações, é muito rápido para ocupar leitos. Foi uma surpresa muito grande porque a gente esperava, pelo menos, que a tutela antecipada ela mantivesse até a decisão em segundo grau”, afirmou ao O Nacional na segunda-feira (25). “É uma decisão estritamente legalista porque não leva mais nada em consideração”, considerou Fernanda ao mencionar que cerca de 2,5 mil pessoas deverão ser afetadas nas áreas ocupadas. “A CORSAN, a qualquer momento, pode cortar a distribuição de água”, ressalta. 

Com um prazo de 15 dias, Rafaela assegura que estuda apresentar um embargo de declaração. “A gente sabe que a maioria das ocupações são formadas por famílias em que a mulher é a chefe com três e, às vezes, até quatro filhos. Então, é uma decisão que impacta, principalmente, mulheres e crianças”, enfatizou. 

Classificando como “crueldade” o entendimento judicial, o coordenador da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF), Paulo Carbonari, pondera que o fato de morar em uma área ocupada sem possuir o título de propriedade e de estar na condição de meros detentores das áreas não lhes retira o direito à água, “consagrado como parte do direito humano à alimentação conforme o artigo 6º da Constituição Federal e conforme os artigos 11 e 12, respectivamente o direito a um nível de vida adequado e o direito à saúde”, aponta. “Direitos humanos não são relativizáveis. São indivisíveis e interdependentes”, sustenta. 

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