IE: Leilão traz esperança de recomeço

A mais antiga escola particular de Passo Fundo pode estar próxima de receber uma grande intervenção e voltar a ser um espaço modelo para a cidade

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Foto: Arquivo/ONFoto: Arquivo/ON
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A expectativa é grande para o próximo dia 26 de setembro, data em que acontece o leilão do Instituto Educacional Metodista de Passo Fundo, às 14h, online e presencial, em Porto Alegre. Há pelo menos uma empresa interessada, a ECB Group, que controla a BSBios, com sede em Passo Fundo.

Ter uma empresa local interessada trouxe um novo ânimo para professores e funcionários, que têm expectativa da continuidade do IE. Mesmo não integrando mais a Rede Metodista, o educandário deve permanecer com a mesma nomenclatura e com a sua principal característica: educar pessoas para a vida.

Mas muito além de ser formado por prédios icônicos, como o Texas, com suas grandes e imponentes colunas, o IE foi e é formado por pessoas, por tradições, por uma histórica fecunda e que inegavelmente anda junto com a história do município. A mais antiga escola particular da cidade tem 103 anos é também a mais tradicional. Por lá passaram alunos que se tornaram figuras respeitadas no estado e no país e todos levam o legado da escola consigo. Hoje são 180 alunos e 39 funcionários, mas já houve décadas em que somente o ensino médio abrigada quase 500 alunos.

 

“Essa escola tem braços gigantes, ela traz para dentro e não deixa mais sair”

Nos últimos 7 anos a professora Fabiana Scherer, atual diretora interina e coordenadora pedagógica, tem vivenciado a rotina da escola e conta que aprendeu a amar o IE incondicionalmente. Além do apoio do grupo de professores e funcionários, ela conta que os pais são muito presentes no cotidiano ieense. “Muitos pais buscam os filhos e ficam no pátio até as 19h, 20h. Eles vêm no final de semana trazer as crianças, tomar chimarrão e aproveitar o nosso espaço. Quando organizamos eventos são os pais que vem ajudar na cozinha, na organização, em tudo. É um companheirismo e uma grande vontade de fazer dar certo. Eles dizem que o IE é o jardim da casa deles”, conta a coordenadora, ciente de que na última década a aparência estética foi se perdendo, não houveram grandes reformas por ser muito custoso.

Fabiana conta que no dia 15 de julho a comunidade escolar foi informada de que havia duas possibilidades: venda através e recuperação judicial ou fechamento. “Já estávamos cientes de que a situação estava difícil. Nosso espaço é grande em área, porém insuficiente para abrigar um grande número de alunos. Temos um grupo reduzido de funcionários, mas com vontade e amor pela escola. Quando soubemos que havia uma empresa interessada em comprar isso nos trouxe esperança”, contou.

A coordenadora disse que mesmo em momentos difíceis, a paixão e como ela diz ‘a teimosia’ fez com que muitas coisas acontecessem. “Eu não me sinto sozinha em nenhum momento, o IE é a extensão da nossa casa. Pais, professores, alunos e funcionários sempre trabalhando juntos, talvez seja por isso que o IE ainda exista. Somos apaixonados e teimosos. Digo aos pais que neste momento vamos pensar em fechar as portas com chave de ouro em 2022 e, se tivermos a oportunidade de abrirmos as portas no ano que vem, será maravilhoso. Temos crianças preparadas para estudar em qualquer escola da cidade”.

Fabiana veio da rede Metodista de Uruguaiana e, segundo ela, a forma de ensino segue com os mesmos princípios. “O que as pessoas aprenderam aqui dentro levaram para a vida. O estilo de vida, valores, a forma de educar, fazem com que os homens se torne o que são. Apesar das dificuldades, mantivemos a forma de ensino até hoje e sua marca foi sempre estar aberta para receber as famílias”.

 

“Tenho um vínculo de vida e o dia que sair sentirei muita falta”

Não tem como passar pelo portão do IE e não reparar uma figura simpática recebendo pais, professores e alunos. Miguel Zancanaro, o “Tio Miguel” como é carinhoso conhecido um dos vigilantes do IE. Ele trabalha na escola há quase 30 anos, formou um vínculo de convivência e carinho por cada pessoa que por lá passou. “Eu consegui me formar no 2º grau aqui no IE. Tenho um vínculo de vida e o dia que sair sentirei muita falta, gosto de estar aqui dentro, amo esse lugar. Os ex-alunos me chamam pelo nome, teve médico que me atendeu e me reconheceu. Meu filho nasceu e se criou comigo trabalhando aqui. Eu vivi minha vida aqui dentro, só sei trabalhar no IE”, conta.

Tio Miguel confessa que seu maior desejo é que o IE volte a crescer. “Eu queria que isso aqui crescesse comigo ou sem mim. Acredito que se tiver investimento será maravilhoso, só falta alguém que coloque dinheiro para recuperar. Ainda sonho com o dia em que as pessoas vão passar e vão comentar: nossa que lindo, o IE renasceu”!

Imagem do novo projeto do prédio Texas.


 “Minha carreira surgiu no IE enquanto lecionava”

Mirian Postal, artista plástica passo-fundense, contou com emoção sobre os cerca de 13 anos em que lecionou no IE. Foi na década de 80 que a jovem moça, recém-formada em artes plásticas na Universidade de Passo Fundo, começou a lecionar língua portuguesa e estudos sociais no Instituto Educacional. Com o passar dos anos sua habilidade proporcionou com que trabalhasse um currículo multidisciplinar, agregando história e artes, sua paixão.

Como a estrutura pedagógica da escola envolvia os alunos em uma configuração multidisciplinar, era possível vivenciar apresentações, música, teatro, comemorações, olimpíadas para além do conhecimento das disciplinas. “Não era apenas uma sala de aula repleta de alunos atentos ao conteúdo, mas um local de participação. Tínhamos o Circuito Metodista, os esportes sempre muito incentivados, laboratórios estruturados, biblioteca completa e um lindo Salão Nobre, era uma grande estrutura”.

Ao falar sobre o IE, a artista lembra de pessoas e eventos que contavam com a presença dos alunos. “Não se imaginava um desfile sem o IE estar presente. A escola faz parte da história da cidade, envolvia todos, pais, professores, funcionários, era uma família. As vivências são inesquecíveis. Tenho muito amor e uma saudade de toda a história que vivi lá dentro e lembro de todos os alunos que passaram por mim, lembro de cada rostinho como se ainda fossem crianças”.

A artista diz compreender que mesmo sendo uma escola o IE é uma empresa, precisa ser mantida, mas lamenta saber da situação atual. “Quando soube da derrubada do prédio junto ao campo de futebol senti uma tristeza, não pela venda do local em si, mas pela forma com que a história é tratada no Brasil. A história se apaga, não se tem força, não há interesse na prolongação de valores”.

 

“Quando eu sonho com escola eu sonho com o IE”

Tania Rösing estudou toda a infância e adolescência no IE, dos 4 aos 18 anos. Depois lecionou por 10 anos. A professora relembra sua trajetória de vida e de valores embasados no que vivenciou no Instituto. Foi lá que ela conheceu o esposo, Alcioli Rösing. “Ele era diretor de um dos institutos, nos conhecemos na igreja e a nossa relação se estreitou na escola. Casamos no internato do IE com a singeleza do ambiente e exatamente dentro do desenvolvimento de valores dentro dos quais acreditávamos e acreditamos e a contribuição do Acioli como professor e diretor foi grande. Eu e meus três irmãos estudamos no IE e os meus dois filhos estudaram por um período na escola. O IE teve uma história muito bem construída”, conta.

A professora ressalta que a expectativa é de que os novos proprietários do IE o transformem em uma escola contemporânea e que ela possa iniciar um novo ciclo. “Para isso não podemos atrapalhar o progresso com saudosismos que veiculam uma outra época, um outro século. Passaram-se 100 anos, um ciclo importante na educação local e regional. O saudosismo que se tem diz respeito à nossa formação é de outra época, e agora o que se deseja é que realmente o IE comece um outro tempo, o que é bom para os estudantes e para a cidade e muito bom para o contexto de inovação que estamos vivendo. Um novo grupo assume com o desejo de inovar, isso é altamente positivo. A coragem de um grupo que adquire uma escola é de promover valores, numa educação que requer totais mudanças, não apenas arquitetônica, mas na relação dos professores com os alunos contemporâneos e que pressupõem novas medidas que garantam um desenvolvimento contemporâneo”.

 

Prédio Texas: arquitetura

Foto: Divulgação/Rede Metodista

A arquiteta e urbanista, Ana Paula Wickert, que foi Secretária de Planejamento de Passo Fundo entre 2013 e 2020, falou sobre as características arquitetônicas do Prédio Texas e falou da importância da escola para o desenvolvimento cultural e educacional da cidade.

“O edifício Texas foi construído seguindo a linguagem arquitetônica neoclássica de origem californiana, denotadas no uso de frontão, colunas jônicas, frisos, tijolos aparentes. O neoclássico é um estilo que nasceu na França do século XVIII, e se caracteriza pela inspiração na arquitetura grega antiga, com uso de frontões, colunas e frisos, um repertório formal que fazia referência ao predomínio da razão sobre a emoção. A construção das grandes escolas representa um período importante da história de Passo Fundo, marcando o desenvolvimento cultural e educacional da cidade”.

A arquiteta lembra que o tombamento significa o interesse cultural que o bem possui. Ela explica que em Passo Fundo a legislação garante algumas vantagens para os proprietários de bens tombados, tais como a isenção do IPTU e a possibilidade da venda do índice construtivo excedente. Este último é uma moeda urbana prevista no Estatuto da Cidade, já que o prédio não pode ser demolido pois possui interesse histórico e cultural, o proprietário pode vender o direito de construir para que ele seja efetivado em outro local, garantindo assim que o proprietário tenha retorno financeiro a partir dos índices urbanos que ele não utilizou no terreno onde está o prédio tombado. “A preservação do patrimônio tombado não significa a inviabilidade de se desenvolver projetos inovadores e disruptivos. Muito pelo contrário. Existem no mundo e no Brasil, diversos exemplos que aliam a preservação das edificações com projetos inovadores”.

Foto: Divulgação/Rede Metodista

O Instituto Educacional Metodista de Passo Fundo surgiu a partir da iniciativa do pastor da Igreja Metodista, Jerome Walter Daniel. Ele tinha origem estadunidense e estava no Brasil como missionário, em Passo Fundo.

Anunciado no dia 8 de agosto, o leilão do Instituto Educacional Metodista de Passo Fundo, tem como condição de que haja manutenção das atividades acadêmicas por pelo menos cinco anos.

O colégio ocupa um quarteirão inteiro, com área de 12,3 mil metros quadrados. Em torno de mil metros quadrados são tombados. O lance mínimo para a aquisição do espaço é de R$ 30 milhões.

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