Pai Carlos Magno celebra 52 anos de assentamento

Após semanas de rituais, religioso reverenciou Oxalá com uma festa tradicional do Batuque

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Mesa dos inocentes abriu a cerimônia. Foto-Fernando de Castro/ON)Mesa dos inocentes abriu a cerimônia. Foto-Fernando de Castro/ON)
Mesa dos inocentes abriu a cerimônia. Foto-Fernando de Castro/ON)
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No final de setembro, o Pai Magno completou 52 anos de culto à Nação Africana do Rio Grande do Sul. Junto aos seus filhos de religião, familiares e convidados, comemorou ao melhor estilo litúrgico do Batuque: uma festa para Oxalá, com a mesa dos inocentes e a energia da dança marcada pelo tambor. O passo-fundense Carlos Magno Berra é embaixador do Afroconesul em Portugal, onde mantém residência fixa, mas com forte atuação no Brasil. Há 38 anos, ele interpreta em O Nacional as regências e faz a leitura dos búzios com previsões para o ano que vai começar. No salão do Ilê (casa de religião), emanou a alegria das crianças diante do Quarto de Santo repleto de flores brancas de Oxalá. Em meio à Fé, vibrações e energia metafísica, Magno relembrou a sua trajetória espiritual iniciada em consequência de uma doença que o conduziu para a religião, transformando-o em um respeitadíssimo Pai de Santo. A marca de 52 anos é relativa ao assentamento do orixá Oxalá, em 29 de setembro dia consagrado ao orixá Xangô. Após três semanas de atividades, a comemoração culminou em 1º de outubro com a festa para as crianças, que tem significado muito grande.

Leucemia

Filho de um destacado advogado, aos seis anos de idade Carlos foi diagnosticado com leucemia crônica. “Amigos da nossa família recomendaram aos meus pais para que me levassem até a Mãe Dinah de Odé, que era esposa de um advogado aqui de Passo Fundo. Então, com a cura, encontrei a religião afro-brasileira. A partir disso ganhei um novo ciclo em minha vida. O meu problema, a doença, era de ordem espiritual, pois vários caminhos nos conduzem para a religião”. Anos depois, Dinah teve que interromper suas obrigações como Mãe de Santo. Então, a partir dos 17 anos, Carlos Magno morou em Porto Alegre sob a orientação do Pai Ivo de Ogum. Nesse período teve um crescimento no aspecto espiritual ou, em outras palavras, um aperfeiçoamento. O Batuque é uma religião com fortes raízes no Rio Grande do Sul. Tem variantes de acordo com a origem de cada berço. Magno segue a Bacia de Oyó, originária da cidade de Oyó na África Ocidental.

Liturgia

São bastante complexas as atividades numa casa de Batuque, denominada de Ilê. Não faltam simbologias, ornamentos, cores definidas, protocolos de muito respeito e, é claro, o principal: a Fé. Do batucar do tambor aos cânticos, o ambiente emana muita energia. E é esse Axé coletivo que representa a força espiritual de uma casa que, obviamente, tem por sustentáculo a força de quem a comanda. “O Pai de Santo é aquele que foi preparado para administrar os rituais nessa cultura”, explica Magno. As cerimônias exigem o cumprimento de muitos detalhes, mas mantêm analogias com outros cultos bem distintos. É assim na iniciação, chamada de lavar a cabeça, rito muito próximo da pia batismal ou do mergulho no rio. “A água é uma das maiores fontes de energia”, afirma o babalorixá. No Batuque a água fica nas quartinhas (pequenas moringas) e não pode faltar num Ilê, utilizada para borrifar ou energizar. A luz das velas e banhos de ervas, através das vibrações, também são indispensáveis nos rituais. “Ainda temos a cerimônia do peixe, que pode ser associado ao jejum em outros cultos”.

Carlos Magno: reverência ao Pai Oxalá. (Foto: Fernando de Castro/ON)

Os atributos do Pai de Santo  

Por outra perspectiva, o Pai de Santo também pode ser visto como um guru espiritual. Mas a sua vida não é nenhuma barbada, desde a sua formação às atividades exercidas, como preparar seus filhos ou interpretar as vibrações emanadas pelos búzios. Não escapa de restrições e até privações para cumprir com zelo a sua missão. No ambiente familiar do Ilê, além de cuidar dos seus filhos ele ainda recebe fieis. “É necessário o dom espiritual para leitura do intelecto dos seus filhos”. Nessa convivência surge seu lado protetor, pois zela espiritualmente pelos membros da família. Cultura oral, o Batuque de Oyó é de interpretação complexa e, então, cabe ao Pai Magno esclarecer, doutrinar e orientar. E, externamente, o que é mais difícil? “É driblar a discriminação”!”

Recarregando

Dentre as práticas do Batuque está a obrigação denominada “chão”. Isso significa permanecer recolhido junto ao salão em respeito ao ritual realizado. Nada que cause receios, pois quem vai para o chão deita em um colchão bem preparado recebe as refeições e prioriza o silêncio e a meditação. É considerado um retiro espiritual. E, entre o abstrato e o palpável das vibrações, tem o significado de recarregar as baterias. Para a maioria é uma carga rápida. Já para o Pai de Santo o procedimento é bem mais longo, pois também energiza uma enorme família. Em setembro, mês de Oxalá, Carlos Magno seguiu um longo protocolo para reforçar suas energias em preparativo à comemoração. Após uma longa sequência exigida pela liturgia batuqueira, permaneceu em absoluto recolhimento por vários dias. Nesse chão, aprofundou vibrações para oferecer mais chão aos seus filhos. E, certamente, recebeu divinas orientações de seu Pai Oxalá.

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