Com a construção de templo, cresce a procura pela doutrina budista na região

Comunidade Budista Shantideva está em Passo Fundo há 7 anos. A partir dela foi construído o Templo Águas da Compaixão, localizado em uma propriedade no município de Mato Castelhano

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Templo Águas da Compaixão localizado em Mato Castelhano (Foto Divulgação)Templo Águas da Compaixão localizado em Mato Castelhano (Foto Divulgação)
Templo Águas da Compaixão localizado em Mato Castelhano (Foto Divulgação)
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Transformar a mente e a maneira de agir no mundo. Essa talvez seja a mais simples definição do Budismo, uma doutrina filosófica e espiritual surgida na Índia, no século VI a.c. e que vem ganhando cada vez mais adeptos. Com a construção do  Templo Águas da Compaixão, inaugurado este ano, em uma  propriedade no município de Mato Castelhano, a comunidade Shantideva viu crescer em 40% o número de interessados nos ensinamentos budistas. Para participar não é preciso conhecimento prévio ou aprofundado, basta querer.

Uma prática que vem ganhando adeptos

Na opinião do Monge passo-fundense Daniel Konfortin (que assumiu o nome religioso “Daiho”), coordenador do curso de design gráfico na UPF, muito desse movimento em busca da prática se deve ao excesso de informação, estímulos e trabalho com os quais temos de lidar. “A meditação vem como um ‘organizador mental’ e fonte de bem-estar através do movimento mindfulness, que subtrai os elementos religiosos da meditação e alia sua prática às pesquisas da psicologia ocidental. Além disso é algo “cool” propagado como produto por celebridades e pela indústria da auto-ajuda, o que é interessante como divulgação, mas acaba por minar a essência da prática, que é a transformação da mente e da maneira como agimos no mundo, o que não quer dizer que a prática religiosa da meditação seja melhor que o mindfulness, mas que são coisas diferentes, com funções benéficas na sociedade. Especialmente hoje, com a propagação indiscriminada de discursos de ódio, silenciar pacificamente por alguns minutos ou horas diárias é um ato revolucionário que pode ter um profundo impacto social”.

Comunidade Shantideva é a única organizada na região

“Ela vem de uma experiência histórica de praticantes desde os anos 90 e se institucionalizou em 2015 e hoje conta com cerca de 40 membros e outras dezenas de praticantes eventuais. Uma característica da comunidade é o não sectarismo, ou seja, acolhe várias tradições budistas, entre elas o Zen, Budismo Tibetano, Terra Pura… O que essas tradições têm em comum é o reconhecimento dos ensinamentos fundamentais de Buddha, transmitidos oralmente há mais de 2.600  anos na Índia. Esses ensinamentos dão conta da natureza universal do sofrimento humano, suas causas, a possibilidade de superação e o caminho que leva à iluminação. O Zen enfatiza a meditação sentada (zazen), o Budismo Tibetano usa práticas de visualização de deidades e mantras, já o Terra Pura orienta seus seguidores na recitação do nome de Buda como forma de ‘salvação’. A nossa proposta na Comunidade Budista Shantideva é acolher todas as formas e proporcionar um espaço onde elas possam se desenvolver”.


ON - Budismo: religião ou filosofia?

Daiho - Essa é uma pergunta frequente e acaba por mascarar um equívoco. No ocidente o senso comum separa a prática religiosa da filosófica. Na Índia, China e Japão isso não ocorre assim. O próprio conceito de religião é algo totalmente ocidental. Posso dizer que o Budismo é sim uma religião, mas é também uma ferramenta de transformação social e individual, além de ser um poderoso sistema filosófico. A prática do Budismo não exclui outras religiões e não se coloca em um patamar de superioridade. Conheço muitos praticantes que meditam conosco e são cristãos ou ateus. Há uma correspondência muito grande entre o Budismo e as diversas crenças monoteístas, bem como religiões de matriz africana, realmente mais similaridades que diferentes.

ON - Como conhecer e praticar o Budismo?

Daiho - Primeiramente lendo. Há muita literatura traduzida para o português atualmente, textos clássicos e de grandes mestres contemporâneos. Em seguida buscando uma comunidade budista, aliás, a comunidade (Sangha, em sânscrito) é uma das três ‘jóias’ do Budismo, junto com o Buddha e seu ensinamento (o Dharma).

Monja Issin e Monge Daiho

ON – De onde veio o interesse pelo budismo e desde quando começou a praticar?

Daiho - A gente reconhece as contradições e diferenças dos diversos tipos humanos nessa loucura da vida contemporânea. Me formei em Design e Filosofia, fiz mestrado em Educação e trabalho desde de 2007 do ensino fundamental ao superior. Atualmente sou professor da Universidade de Passo Fundo e coordeno o curso de Design Gráfico do Instituto de Humanidades, Ciências, Educação e Criatividade. Também atuo como professor de filosofia na Escola St. Patrick aqui na cidade. Sou casado e pai de uma linda menina chamada Alma, ainda naquele período de carência de sono típico dos pais nesses primeiros anos de suas crias. Porém antes disso vivi por anos na Índia e no Nepal, estudando Budismo e artes tradicionais. Fui aluno do monastério Kanying Shedrub Ling em Kathmandu e concluí meu mestrado no Rangjung Yeshe Institute em parceria com o PPGEdu - UPF em 2016. O trabalho de pesquisa resultou no livro “Iluminação no Olhar” publicado pela Editora Appris em 2020 e disponível nas principais livrarias do país. Conheci o Budismo no festival Planeta Atlântida de 98, quando vi o mestre Chagdud Tulku Rinpoche no palco silenciando uma multidão de jovens enlouquecidos! Ou seja, são 25 anos de caminhada e muitas andanças que acabam desembocando na minha ordenação em 2018 quando assumo o nome religioso de ‘Daiho’ e, no ano seguinte, com o apoio da comunidade e da minha professora, iniciamos a construção do Templo Águas da Compaixão. Atualmente meu grande objetivo é oferecer o budismo como uma alternativa de prática religiosa que promove diversidade, diálogo e paz, para além dos fanatismos correntes no país.

ON - Existe uma “bíblia budista” ou um conjunto de textos fundamentais do Budismo?

Daiho - Os discursos de Buddha estão registrados nos “sutras”, que são textos codificados a partir da tradição oral. Existem diversos tipos de sutras, depende muito da tradição histórica à qual eles são relacionados, e desses textos surgem nossos principais temas de estudo. Além disso temos os “shastras” ou comentários, que provém da tradição filosófica budista onde os mestres comentam os ensinamentos de Buddha. O Budismo é uma religião viva e em constante transformação, constantemente novos textos são criados pela experiência viva de seus praticantes.

 

Monja que está em Passo Fundo foi a primeira aluna da Monja Coen

A Monja Isshin Havens Roshi reside em Passo Fundo há cinco anos. A estadunidense escolheu o Brasil como residência na década de 70. Veio como musicista de orquestra e acabou se tornando Monja Budista no Brasil como a primeira aluna de Monja Coen. Viveu em um monastério japonês por quatro anos e regressou novamente ao Brasil para ensinar aquilo que aprendeu no Japão. Primeiro em São Paulo, depois em Porto Alegre e agora em Passo Fundo, onde decidiu residir nos últimos anos.

Ela se encontra em tratamento desde 2021, porém está estável e bastante lúcida. “Foi através dela que a ordem Soto do Budismo Zen japonês se estabeleceu na cidade. Eu fui seu primeiro aluno ordenado na região, depois de mim vieram outros dois monges também, monge Jian (Jean Quevedo) de Soledade e monge Koushi (Mário Vernes) aqui em Passo Fundo. Só em função disso ela já tem uma importância tremenda, pois é a primeira monja plenamente ordenada em uma ordem budista tradicional. Além disso foi a partir da chegada dela que iniciamos a construção do Templo Águas da Compaixão aqui na cidade vizinha de Mato Castelhano”.

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