O Museu de Artes Visuais Ruth Schneider (MAVRS) e o Museu Histórico Regional (MHR), localizados na Avenida Brasil, integrantes do Espaço Cultural Roseli D. Pretto, abrigaram desde 1996, acervos de valor inestimável entre obras de arte, esculturas e objetos doados pela comunidade, no prédio centenário, inaugurado em 1912, 1ª sede da antiga Intendência Municipal.
Em 2016, desde que o convênio entre UPF – detentora do acervo do MAVRS e a Prefeitura Municipal – detentora do acervo do MHR venceu, foram feitos apenas dois aditivos (um de um ano e outro de seis meses), posteriormente não foi mais renovado, o local foi sofrendo depreciação e hoje está em condições precárias. Goteiras, o chão de madeira cedido em vários pontos, mofo, além de beirais caindo pela ação dos cupins e do tempo estão entre os problemas mais visíveis do local, que já foi responsável por colocar Passo Fundo como a 4ª cidade do Rio Grande do Sul a ter um museu de artes.
O prédio está fechado desde 2019 e precisa de uma reforma estrutural urgente para que possa ser reaberto. A fachada imponente e as portas grandes escondem a situação de seu interior, que agora tem obras de arte embaladas aguardando remoção pela UPF.
Ainda sem previsão de reabertura, o local levou cultura à comunidade e aos estudantes, inclusive com o projeto Museu Móvel, que transportava parte do acervo até as escolas mais distantes da cidade. Com o passar do tempo, o MAVRS passou de 300 para 1.3 mil obras, o que agregou ainda mais valor cultural para a comunidade.
“Não sabemos o futuro dos museus”
A Museóloga Tânia Aimi, que foi coordenadora dos Museus de 2010 a 2019 e membro do Grupo em Defesa dos Museus, explica que a ideia principal em 1996 foi de levar os acervos para um prédio central para aproximar a comunidade em geral e os estudantes. “Foi celebrado convênio em que a UPF passaria a administrar os dois museus com equipe técnica e infraestrutura, e a Prefeitura ficou responsável manutenção do prédio, assim como pagamento de despesas como água e luz. O convênio durou 20 anos e a relação com a comunidade se estreitou nesse período, porém poucas foram as intervenções e manutenções na estrutura do prédio. Tínhamos uma equipe de 4 estagiários de artes e 4 de história e professores das duas áreas, funcionários administrativos, técnicos, num total de 15 profissionais trabalhando. A UPF doou equipamentos, estruturou o trabalho. Eram dois acervos diferentes com a mesma equipe técnica. Em 2002 a professora Roseli Pretto faleceu e a professora Maria Cesária assumiu a gestão. Em 2010 assumi a gestão dos museus até 2019, quando me aposentei. Ver um trabalho dedicado de 26 anos ir pelo ralo é muito triste. Não sabemos o futuro dos museus”, disse.
Tânia afirma que o prédio nunca teve um Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndio (PPCI). “O descaso é notório. Mesmo assim, muitas pessoas trabalharam para qualificar o espaço. Fizemos 19 projetos e destes 9 foram aprovados em nível federal, recursos que fizeram muita diferença. Conseguimos um veículo, doado por um órgão federal, qualificamos a infraestrutura, ampliamos os estagiários e investimos em atividades pedagógicas, inclusive com o projeto Museu Móvel, onde levávamos parte do acervo até as escolas. Infelizmente o que vimos hoje é descaso, falta de vontade política, de comprometimento com a cultura e a história da cidade. O prédio do museu está na situação que está porque não teve atenção necessária na estrutura física. Precisamos de um Plano de Restauração com planejamento detalhado do que será feito e não apenas pequenas reformas. Queremos uma resposta da universidade e da prefeitura. Isso é o mínimo que podemos exigir dos responsáveis, pois os dois espaços demandaram esforços dos artistas e da comunidades que doaram seus acervos e dos trabalhadores que por 26 anos que se dedicaram em conquistar um publico maravilhoso”.
Acervo não está climatizado
Uma das maiores preocupações do grupo é o acervo, que não recebeu o cuidado necessário. Tânia explica que desde 2018 o acervo do MHR não está climatizado, o que coloca em risco o capital cultural existente (pois os dois equipamentos de ar condicionado, que tinham sido doados, não funcionam mais) “O acervo do MAVRS está melhor preservado do que do MHR pois é climatizado por meio de recursos de projetos. Só precisava que mantivessem o espaço e isso não foi feito. Atualmente participamos como comunidades nas reuniões abertas do Conselho Municipal de Políticas Culturais, onde são encaminhadas as demandas mas o retorno é muito demorado ou quase inexistente. Estamos angustiados, pois não temos garantias de como nem quando será feita a reforma, como será o projeto de restauração”.
Coletivo em Defesa dos Museus
Tânia explica que no começo deste ano foi formado o grupo “Em Defesa dos Museus”, composto por um coletivo de mais de 100 pessoas como artistas, ativistas, defensores das artes, da cultura e da história local. O grupo busca cobrar posicionamento dos entes públicos para que os museus voltem a funcionam de forma qualificada e permanente.
Ministério Público
Engajado na luta pelos museus, o Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas (GESP), encaminhou ações para o Ministério Público em defesa do patrimônio cultural, histórico e ambiental.
O promotor de justiça Paulo Cirne, responsável 1ª Promotoria de Justiça Especializada, explicou que o MPE ingressou com ação judicial contra o município em 2013 buscando a restauração dos prédios, que possuem valor histórico, inclusive ações similares já foram movidas em relação a Academia Passo-fundense de Letras (APL) e o Teatro Múcio de Castro. “Em relação aos museus ainda não está concluído e o MPE aguarda a restauração do local pelo município”.
Em relação ao acervo dos museus, a questão está sendo tratada de forma extrajudicial no âmbito da promotoria de justiça. “O MPE fez contato com a UPF e a prefeitura e uma reunião deverá ser agendada no primeiro trimestre do próximo ano afim de tratar sobre essa questão. As duas situações se ligam, afinal, o prédio precisa ter condições de receber o acervo sem risco de perda de material”, disse o promotor.
O que diz a Prefeitura Municipal
Questionada sobre a situação, a secretária de cultura, Miriê Tedesco, explicou que por ser um prédio centenário é natural que muitos problemas, por desgaste, ocorram. “Não procede a informação de que o local está depredado, tanto que sempre que problemas pontuais surgiram, lá estava a prefeitura fazendo a correção. Por óbvio que, reforçando a questão de tempo de existência do prédio, as necessidades de reparos mais profundos, estruturais, devam acontecer, sim, e estas foram analisadas ainda no ano passado, quando oficializamos a reforma e, em comum acordo com a UPF, programamos a retirada do acervo do MAVRS com o fim de proteger as obras de qualquer possível dano, já que os espaços do museu seriam ocupados por materiais e profissionais responsáveis pela reforma. As obras, neste momento, estão quase todas devidamente embaladas e agora estamos programando o transporte até a universidade”, disse a secretária, que garantiu que, embora o museu esteja fechado, primeiro pela pandemia e depois pela decisão de executar os reparos, esteve sempre sob os cuidados da prefeitura e da UPF. “Nada mudou neste sentido. A climatização está acontecendo como sempre aconteceu”.
Miriê garante que no momento em que as obras do MAVRS forem encaminhadas para a UPF –– observando todos os cuidados necessários para isso, inicia-se a reforma. “O tempo que isso levará, será o necessário para ajustes no telhado, piso e pinturas”.
A secretária considera o museu como guardião da cultura, fonte de conhecimento e também espaço para visitação e turismo. “Além de termos um prédio histórico como sede do museu, as obras que ali estão, são relevantes e há que se falar também de todo o acervo histórico regional, que é um bem precioso para o município. É inegável, contudo, que precisamos avançar na questão da visitação. O museu atende, basicamente, alunos, e as outras pessoas. Como podemos fazer para que a população, em geral, perceba, frequente e valorize o museu? Esse é um desafio que temos pautado em nossas conversas com a UPF”.
A qualificação que o espaço teve, especialmente em termos de acervo de organização é algo inegável, de acordo com a secretária. Ela disse que esse ganho é resultado de esforços de todos os que estiveram à frente do museu e, com a reforma, a posterior abertura e esse olhar atento da gestão, é possível ter um museu cada vez mais potente, que será reforço para as ações, não só culturais, mas, especialmente, como Cidade Educadora.
UPF vai levar o acervo do MAVRS para o Campus I
Em seu comunicado, a Universidade de Passo Fundo (UPF) afirmou que está há algum tempo buscando alternativas juntamente com a prefeitura, como novos espaços para abrigar o acervo, uma vez que as atuais condições estruturais do prédio que abriga esse patrimônio não garantem a segurança dos servidores e da comunidade. “Há um planejamento de retirada do acervo para que a Prefeitura, que é a responsável pelos prédios que abrigam esses museus, possa realizar a reforma estrutural necessária para oferecer segurança aos usuários. Essa reforma visa também a preservação do prédio, que é histórico e relevante para o município. Assim, o acervo será recolhido e levado para o campus I da UPF, onde ficará sob a guarda da Pró-Reitoria Acadêmica (Diretoria de Extensão, Cultura e Assuntos Comunitários) e do Instituto de Humanidades, Educação, Ciências e Criatividade (IHCEC), por meio dos cursos de graduação em Artes Visuais e História e do Programa de Pós-Graduação em História, que serão responsáveis por ações junto aos acadêmicos e também direcionadas à comunidade. Em breve essas ações serão divulgadas para que a comunidade passo-fundense possa continuar se beneficiando dos projetos e ações que envolvem esse rico patrimônio”.
Expectativa de um novo convênio
A UPF e a Prefeitura estão trabalhando na manutenção da parceria. Nesse sentido, algumas reuniões têm acontecido para discutir as necessidades estruturais dos museus, os próximos passos a serem tomados e também a elaboração de novo convênio. Segundo a nota, as duas instituições, Prefeitura e UPF, têm interesse em reabrir os museus para o público, pois reconhecem sua importância para a comunidade. “Promover a cultura na região é uma das missões da UPF enquanto universidade comunitária. A parceria com os museus é reconhecida como um diferencial dos cursos de graduação e de pós-graduação que possuem afinidade com a área. Desse modo, a UPF tem trabalhado para estreitar a relação com os museus, o que traz benefícios para nossos estudantes e também para a comunidade como um todo. O projeto Museu Móvel é um exemplo de como é possível criar estratégias que contribuam para ampliar o universo cultural das pessoas, o que é um dos compromissos da Universidade”.
“Vejo um descaso com o patrimônio histórico da nossa cidade”
A vereador professora Regina, integrante da Comissão de Patrimônio e de Desenvolvimento Urbano e do Interior e da Comissão de Cidadania, Cultura e Direitos Humanos da Câmara, afirma que os parlamentares vêm trabalhando junto na questão dos museus, com visitação ao local, pedidos de informação ao Executivo e reuniões periódicas. “A situação é preocupante. Em 2021 o município fez um anúncio de que iria começar a fazer os reparos no prédio dos museus, mas até agora não se tem nenhuma movimentação para o início das obras, os museus sequer têm alvarás de funcionamento. Sabemos da precariedade do prédio e o quanto é urgente a reforma desse importante patrimônio público. É visível que não foi feita manutenção e hoje as condições são péssimas. Existe um descaso com os espaços históricos e culturais da nossa cidade. Apenas a fachada foi reformada, como forma de acalmar os ânimos de quem cobrava intervenções”.
Confira abaixo a galeria de imagens da atual situação dos Museus.