Tesoura, agulhas, linhas, máquina de costura, ferro de passar, giz para marcar o corte, e uma fita métrica pendurada no pescoço. Estes são os instrumentos de trabalho que acompanham Aldomiro Pacheco há 67 anos. Neste 1º de maio, Dia do Trabalhador, o alfaiate, de 82 anos, sabe como vai comemorar: será trabalhando em um quarto de costura da sua casa para atender o grande número de pedidos dos seus clientes, alguns que ele veste há décadas.
A profissão quase não existe mais em Passo Fundo. Pacheco lembra que há alguns anos, havia pelo menos 16 alfaiatarias com grande volume de trabalho na cidade, mas agora há, no máximo, quatro que conseguem satisfazer a demanda de clientes exigentes, e que gostam de ir ao trabalho, ou fazer tarefas cotidianas, com elegância.
São médicos, advogados, empresários e políticos que não abrem mão de ter uma peça exclusiva e feita sob medida.
Sonho de mãe
A alfaiataria é um processo artesanal. É considerada mais que uma profissão, pois e em alguns aspectos se assemelha a uma forma de arte, já que é associada a roupas de alta qualidade, durabilidade e elegância. Assim, a formação de um alfaiate também requer, além de talento, um longo período de estudo prático e dedicação. Pacheco conta que se interessou em formar-se alfaiate e ingressar neste universo, por meio de sua mãe, quevia com tristeza o filho franzino, recém entrando na juventude, e tendo que trabalhar como aprendiz em serviços considerados pesados, como em fábricas de móveis, por exemplo. “Minha mãe dizia que eu era muito pequeno para um serviço tão pesado, e disse que o sonho dela era que eu fosse trabalhar em uma alfaiataria, que era mais leve. Então eu fuina alfaiataria do Francisco Rigo, que ficava na avenida Presidente Vargas, 424, e disse que eu tinha vontade de aprender”, lembra ele, com detalhes.
Foi lá onde aprendeu o ofício de alfaiate. Tinha pouco mais de 15 anos quando deu os primeiros passos no universo da costura, e até completar os 18 anos, quando precisou prestar o serviço militar, trabalhou como aprendiz. Não recebia salário, apenas algumas gorjetas dos proprietários da alfaiataria. Seu pai, que trabalha na viação férrea, também foi um incentivador, e dava uma ajuda financeira ao jovem, especialmente nos finais de semana, quando queria sair com os amigos.
Oficial de Alfaiate
Até os 18 anos Pacheco aprendeu o que precisava para ser um “Oficial de Alfaiate”. O título era dado somente ao profissional que sabia fazer todo o processo de produção do terno. Ele sabia que sua profissão seria valorizada por aqueles que buscassem peças exclusivas, sob medida e que queriam um trabalho artesanal meticuloso. E por isso disse que não faltou nenhum dia de trabalho, e fez o máximo de esforço. O reconhecimento veio alguns dias antes dele ir prestar o serviço militar em Santana do Livramento, quando os proprietários da alfaiataria Rigo fizeram um grande churrasco para ele e sua família, e garantiram que seu lugar estava garantido assim que retornasse. Enfim, ele seria um Oficial de Alfaiate com carteira assinada.
No retorno para Passo Fundo, ele passou por momentos muito felizes na alfaiataria Rigo, mas queria abrir novos mercados. Em 1961 foi para Cruz Alta, e também passou um período em Marau. Na metade da década de 1960 retornou para sua cidade natal. “Aqui em Passo Fundo também trabalhei na alfaiataria do Bide, que ficava na Praça da Mãe Preta; na Alfaiataria DalAlba, que ficava na av. Sete de Setembro, e foi neste período eu me dividia com um trabalho no HSVP. Depois, no começo dos anos de 2000, eu recebi uma proposta para trabalhar na Hugo Boss, onde trabalhei por mais de 20 anos”, lembrou ele.
Desde que a pandemia se desencadeou, ele optou em trabalhar de casa, onde atende os clientes que conquistou nas mais de seis décadas de profissão.
Motivação para seguir trabalhando
Mesmo aposentado desde 1994, Pacheco é procurado diariamente por advogados, médicos, empresários, políticos, ou por outras pessoas que querem uma roupa nova, ou fazer uma pequena reforma nas suas peças. A motivação para seguir trabalhando é o respeito pelos clientes e o amor pela família. “Tive três filhos, todos casados e de bem com a vida, e tudo o que nós temos veio desde trabalho”, disse ele.
Ele não tem horário de trabalho, vai para a sala de costura pela manhã e segue até terminar o serviço do dia. “Não tenho preguiça e tenho horário indeterminado. Eu nunca deixo o cliente mau, pois a pior coisa que tem é não cumprir com o combinado”, comentou.
Para Pacheco, outro motivo para o grande número de clientes, é a forma que ele trabalha, já que as reformas são um grande diferencial. “É uma peça clássica, que não sofreu grandes alterações de design ao longo do tempo. Mas eu comecei a fazer coisas que ninguém fazia, como transformar os antigos ternos transpassados em simples, que é o que se utiliza hoje. Outra situação que me trouxe muitos clientes foram as pessoas que compravam peças importadas da Alemanha e Itália nos brechós de luxo que havia Passo Fundo, e vinham para ajustar o tamanho”, comenta.
E para sempre agradar o seu cliente, ele tem uma fórmula que aprendeu ao logo da vida. O cliente sempre precisa se sentir bem com o seu terno, mesmo que seja somente um ajuste na gola ou nos ombros. “O bom terno precisa ser confortável no corpo. É aquele que você olha no espelho e ele te veste bem, com uma calça confortável. Por isso um dos meus principais trabalhos é o ajuste de tamanhos”, finaliza.