O despertador alerta antes das 6h da manhã na casa da servidora pública municipal Gabriela Solto Calherrão. Não muito tempo depois, pega o carro e ruma para aquela que virou a sua nova rotina diária. Há mais de uma semana, em vez da rota costumeira do bairro onde mora até o trabalho, segue em direção ao gigante pavilhão às margens da ERS 324 transformado num centro de recebimento e distribuição de donativos da Defesa Civil, de onde partem dezenas de caminhões diariamente carregando alimentos e materiais essenciais, que aliviarão o sofrimento de milhares de famílias afetadas pelas enchentes no estado.
Ali, estão centenas de outras pessoas, que, assim como ela, transformaram suas rotinas para se dedicar ao próximo. “Ser voluntário é tentar levar um pouco de esperança para as pessoas que estão passando por essa tragédia. Doar o tempo, que é uma das coisas mais valiosas que temos, é algo sem comparação, é levar esperança e um pouco de luz às pessoas que precisam”, diz Gabriela, no setor onde tem passado os últimos dias, o ponto de cadastramento de novos voluntários.
Da mesma forma, muitos outros chegam cedo e só saem com o entardecer, e assim continuarão fazendo por um prazo ainda indeterminado. “Estou disponível para o tempo que for necessário”, enfatiza, ao avaliar que o tamanho do estrago visto no Rio Grande do Sul, provavelmente, ainda exigirá muitas mãos solidárias. “Quem está ajudando, que tenha forças para continuar, e quem não, se puder, que comece, porque vai ser um trabalho muito longo para reconstruir o estado, e todo mundo precisa de um pouquinho de ajuda”, conclama.
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Muitas mãos
Gabriela não está sozinha nessa empreitada diária. O tamanho da tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul desde o início de maio - ainda imensurável em sua totalidade - exige mais do que a ação do Estado, e tem recebido a resposta das comunidades, gaúchas ou não. A Defesa Civil Municipal estima que, em média, 500 voluntários chegaram a passar pelo pavilhão diariamente.
Quem não pode ir até as comunidades destruídas pela enxurrada para ajudar diretamente no amparo às pessoas, aos animais resgatados, ou na limpeza das casas e ruas, doa desde roupas a colchões, alimentos e água. Boa parte - destinada por moradores de Passo Fundo, cidades da região e até de outros estados - passa pela antiga sede da Manitwoc, edificação que pertence à Prefeitura, que virou um centro logístico da Defesa Civil gaúcha.
Um pouco distante de Gabriela, em outra área do prédio, está Osmar Barbosa. O empresário e topógrafo, morador da Vila Luiza, reduziu o tempo atuando na própria empresa para ser voluntário, intercalando turnos. Lá, tem feito a separação e organização dos brinquedos e materiais escolares doados. “Reduzi minha atividade para fazer a minha parte, abrindo mão do faturamento, porque cheguei à conclusão de que com a situação que estava o Rio Grande do Sul, considerando que somos privilegiados por nossa cidade não ter sido afetada, seria justo sair da rotina do trabalho e ajudar a quem realmente está precisando recomeçar”, justifica, ao calcular que já ajudou a descarregar 30 ou 40 carretas de brinquedos.
Colaborando desde o primeiro dia de funcionamento da central, não pensa em parar. “Vou seguir até normalizar as condições no nosso Rio Grande”, projeta.
Quase que como em uma linha de produção fabril, o amplo espaço está dividido em setores, que recebem produtos distintos para a separação e organização, que em seguida serão carregados em caminhões e enviados aos locais necessitados. Junto a um grupo de cerca de cinco pessoas, tem atuado a contadora Marilice Cole, que se voluntariou nessa semana. “O objetivo é ajudar. Se não podemos estar lá contribuindo diretamente com as pessoas, fazemos aqui”, comentou, enquanto trabalhava na separação de materiais de higiene.
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Central estadual
Foi com o agravamento dos efeitos das enchentes que o Governo do Estado criou uma central de atendimento - disponível diariamente das 7h às 21h pelo telefone 0800 205 5151 - para centralizar o recebimento de doações nacionais com carga superior a uma tonelada (mil quilos). O canal já intermediou 617 toneladas de donativos, sendo que a maior parte está sendo encaminhada para Passo Fundo e Santa Maria, que funcionam como centros de distribuição para as áreas mais afetadas. A estratégia de centralizar o recebimento em hubs regionais visa agilizar a distribuição e garantir que a ajuda chegue rapidamente às comunidades que mais precisam.
Em Passo Fundo, conforme o último balanço divulgado dia 21/05, cerca de 400 carretas com doações chegaram ao Centro de Apoio. Os carregamentos eram de vários locais, inclusive de outros estados do Brasil.
Conforme o coordenador de Proteção e Defesa Civil de Passo Fundo, Fernando Carlos Bicca, a cidade tem sido estratégica para o serviço de ajuda, pois não registrou estragos estruturais como as demais localidades. “É o município que tem o maior depósito e melhores condições de acessibilidade, diferente de outas regiões do estado, onde agora que começa a se normalizar a situação. Pelas condições, também conseguimos reunir muitos voluntários, servidores públicos e privados, para nos auxiliar nessa tarefa”, registra. “Recebemos uma média superior a 500 voluntários por dia, o que tende a baixar nos próximos dias, já que ‘o calor’ dos fatos diminuiu um pouco e muitos dos voluntários precisam retornar a sua vida comum. Mas ainda recebemos uma grande quantidade de voluntários, e sem eles não faríamos nada”, reitera.
Nessa semana, a Prefeitura Municipal fez um chamamento para novos voluntários, para atuação na separação e organização de doações, distribuição de suprimentos para as famílias afetadas e apoio logístico e administrativo. As inscrições podem ser feitas por meio do telefone (54) 99127-7954 (Roger). O Centro de Distribuição de Doações (antiga Manitowoc) está localizado na RS-324, s/n - Valinhos, Passo Fundo.