Passados 5 anos desde a autorização nacional para que os Cartórios de Registro Civil realizem mudanças de nome e sexo de pessoa transgênero, Passo Fundo totalizou mais de 10 atos realizados, sem a necessidade de procedimento judicial e nem comprovação de cirurgia de redesignação judicial, também conhecida como transgenitalização.
Regulamentada em todo o país em 2018, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a mudança de sexo em Cartório foi regulada pelo Provimento nº 73 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que passou a vigorar em junho do mesmo ano. Em seus cinco anos de vigência – junho de 2018 a maio de 2023 - foram contabilizadas 11 alterações.
Os números constam da Central de Informações do Registro Civil (CRC Nacional), base de dados nacional de nascimentos, casamentos e óbitos administrada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), entidade que reúne os 7.757 Cartórios de Registro Civil do país.
“Desde a decisão do STF em 2018 a mudança de nome e sexo se tornou mais rápida e fácil com o procedimento sendo realizado diretamente nos cartórios de registro civil, sem necessidade de cirurgia de mudança de sexo e de autorização judicial. É mais uma medida necessária para a garantia do direito à identidade”, destaca o presidente da Arpen/RS, Sidnei Hofer Birmann.
Os dados dos Cartórios de Registro Civil de Passo Fundo mostram ainda que os dois últimos períodos de vigência da norma foram aqueles onde houve maior crescimento. No período de junho de 2021 a maio de 2022 houve um aumento de 300% em relação ao período anterior, quando os atos passaram de 1 para 4. Já o período seguinte, de junho de 2022 a maio de 2023, também registrou 4 alterações de gênero.
Entre as mudanças de gênero, as mudanças para o sexo feminino prevalecem. Nos cinco anos de regulamentação – junho de 2018 a maio de 2023 – foram 8 mudanças do sexo masculino para o feminino, 2 do feminino para o masculino e em 1 caso não houve alteração.
Como fazer?
Para orientar os interessados em realizar a alteração, a Arpen-Brasil editou uma Cartilha Nacional sobre a Mudança de Nome e Gênero em Cartório, onde apresenta o passo a passo para o procedimento e os documentos exigidos pela norma nacional do CNJ.
Para realizar o processo de alteração de gênero em nome nos Cartórios de Registro Civil é necessário a apresentação de todos os documentos pessoais, comprovante de endereço e as certidões dos distribuidores cíveis, criminais estaduais e federais do local de residência dos últimos cinco anos, bem como das certidões de execução criminal estadual e federal, dos Tabelionatos de Protesto e da Justiça do Trabalho. Na sequência, o oficial de registro deve realizar uma entrevista com o (a) interessado.
Eventuais apontamentos nas certidões não impedem a realização do ato, cabendo ao Cartório de Registro Civil comunicar o órgão competente sobre a mudança de nome e sexo, assim como aos demais órgãos de identificação sobre a alteração realizada no registro de nascimento. A emissão dos demais documentos devem ser solicitadas pelo (a) interessado (a) diretamente ao órgão competente por sua emissão. Não há necessidade de apresentação de laudos médicos e nem é preciso passar por avaliação de médico ou psicólogo.
“A lei vai ao encontro com a necessidade de existir com a identidade que temos”
Verônica de Oliveira dos Santos, 23 anos, faz parte dessa estatística. A acadêmica de educação física fez a mudança de certidão de nascimento e nome em agosto de 2020. Segundo ela, o processo foi bem simples e ágil, pois ela já havia pesquisado a relação de documentos necessários.
“Quando procurei o cartório para retificar meu nome e sexo na certidão de nascimento faltava apenas um ou dois documentos, que eu logo consegui. Minha certidão nova ficou pronta em uma semana, pois sou natural de Lagoa Vermelha. Se fosse natural de Passo Fundo teria ficado pronta antes”, afirma.
Na avaliação da estudante, a lei vai ao encontro com a necessidade de existir com a identidade que temos. Além de ter autonomia sobre o processo, sem ter que ficar procurando advogados ou até mesmo outros serviços jurídicos. A retificação de nome e gênero para a população transexual, em específico, é um marco da luta que nós temos em garantir o direito de cidadania, o direito de não sofrer constrangimentos em diversos locais por não ter a retificação nos documentos. A população transexual, dentro da sigla LGBTQ+, é a que permanece tendo menos direitos garantidos.” Salientou.
Alguns meses antes da retificação de sua certidão, Verônica ingressou na faculdade. Nos primeiros dias de aula, passou pela constrangedora situação de ser chamada pelo seu nome masculino. “ Foi constrangedor, pois eu como figura feminina estava sendo chamada pelo nome masculino. Isso me deixou triste. Porém, conversando com os professores recebi um apoio imenso e até mesmo estímulo para lutar e conseguir o meu nome retificado nos documentos. A população trans ainda precisa de mais, dignidade, acesso aos serviços de saúde, acesso digno à educação e ao mercado formal de trabalho. A retificação de nome e gênero já é um começo e um estímulo a lutarmos por nossa existência neste país que é, pelo 14.º ano consecutivo, o que mais mata mulheres trans e travestis”.