Uma cidade em com diferentes cores, formas, jeitos de enxergar o mundo e que abriga grupos diversos, oportunizando espaço para que todos possam estudar, trabalhar e desenvolver suas potencialidades, não é a toa que Passo Fundo recebe milhares de pessoas que vêm buscar serviços aqui, oportunidades e que também fazem dessa terra sua morada. Diferente de muitos municípios da região e do Rio Grande do Sul como um todo, Passo Fundo não tem uma predominância étnica e isso se explica desde sua criação.
De acordo com o pesquisador e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo (PPGH/UPF), João Carlos Tedesco, foram muitas as etnias que integraram a formação do município. “Passo Fundo em seu processo de formação étnica, não possui uma identificação clara e majoritária de um grupo étnico, de uma nacionalidade particular. O seu amplo território, no final do século XIX, era habitado por agrupamentos indígenas, basicamente de duas ramificações: Guarani e Kaingang. Esses, juntamente com negros e caboclos, pouco aparecem na história do município, em suas ritualidades, comemorações e transmissão de conhecimentos históricos”, explica o professor.
Segundo Tedesco, apropriação da terra e a reocupação por não-indígenas também aconteceu de múltiplas formas. “Por meio de apropriações, ocupações, colonizações com colonizadoras privadas e públicas, algumas com amparo legal, outras não. Não esquecendo que quando falamos em Passo Fundo da segunda metade do século XIX, devemos observar o amplo território que abarcava, o qual, hoje, constitui mais de 100 municípios. Era um dos maiores territórios da província meridional do país”, destaca.
Grupos étnicos e base cultural
Se nos dias atuais vemos uma cidade que recebe irmãos de diferentes locais, é porque desde sua origem Passo Fundo recebeu diversidade de pessoas. “Foram vários os grupos não-indígenas. Negros, escravizados, trazidos de vários países da África, fizeram-se presentes em grande número. Estudos vêm demonstrando a sua intensa presença no amplo território de Passo Fundo no século XIX. Luso-brasileiros, em geral, migrantes do centro do país, formaram um amplo agrupamento no período da emancipação política de Passo Fundo; seguidos por alemães, italianos, poloneses, sírios, libaneses, palestinos e jordanianos, num período que podemos definir entre 1850 a 1950”, conta.
Segundo o professor, nos últimos 100 anos, esses grupos foram criando um amplo horizonte multiétnico em Passo Fundo, ocupando espaços rurais e urbanos. “Alguns deles buscaram demarcar territórios com festejos, constituição de instituições culturais e religiosas, empreendedorismo econômico, presença no campo político, as quais foram produzindo algum tipo de pertencimento étnico, expressões gastronômicas e linguísticas, formando um caleidoscópio simbólico, que revela a riqueza dos grupos humanos que estiveram na base cultural do município”, pontuou.
Territórios ocupados
Muito se fala sobre em que locais esses grupos inicialmente ocuparam na cidade, tanto na área urbana, quanto rural, porém segundo o professor, uma parte dos atuais bairros São Cristóvão e Santa Terezinha que, nos primeiros anos do século XX, constituía-se pela denominação de Vila Victório Vêneto, em alusão a intensa presença de italianos, sendo esses, alguns imigrantes, outros provenientes das colônias oficiais de imigração italiana no estado. “Pode-se dizer, com muitas ressalvas, que a Vila Luiza e, também, o bairro Hípica, bem como o Boqueirão, houve uma identificação maior de presença de lusos, negros e caboclos; também, onde hoje é a parte mais central da cidade, em razão dos vínculos com o comércio, localizaram-se sírios e libaneses e muitos alemães, mas, sem produzir um enclave étnico”, disse.
Presente que revela novos imigrantes
Com muita coragem e força é que faz com que muitas pessoas saiam de seus países de origem em busca de uma vida melhor. Passo Fundo, que sempre teve essa riqueza étnica, vem se ampliando no decorrer dos anos, conforme Tedesco, nas últimas duas décadas houve uma ampliação significativa de outros grupos sociais. “São senegaleses, bengalis, haitianos, venezuelanos, colombianos e cubanos. Esses três últimos sendo os mais recentes. Isso revela que o município continua atraindo imigrantes, possui um horizonte histórico e cultural multiétnico e integrativo; demonstra também sua capacidade de incorporação econômica e social de grupos estrangeiros e migrantes provenientes de outras partes do país, diversificando e ampliando os grupos sociais com suas particularidades e os modos de ser. É importante enfatizar que a imigração, além de ser um grande recurso econômico, é, também, social, linguístico e cultural”, disse.
“Migrei porque queria um futuro para meu filho”
Carla de Jesus Moreno Soto de 34 anos e o marido Crismer Monrroy de 30 anos estão há quatro anos no Brasil, inicialmente foram para Boa Vista em Roraima buscando uma vida melhor e atualmente moram em Passo Fundo com o filho Alan e o bebê brasileiro de um ano e quatro meses chamado Cristofer. “A imigração é tão difícil, meu coração está aqui, minha alma estava lá, meu pai ficou não quis deixar a casa e caiu em uma depressão acabou falecendo. Estamos de luto ele é único que estava lá da minha família. Migrei porque queria um futuro para meu filho Alan e não me arrependo, ele está no 5º ano e a professora disse que é melhor aluno da sala. Deixei minhas coisas, minha vida lá, mas já não tínhamos futuro e aqui nós estamos conseguindo as coisas pouco a pouco. Temos um negócio próprio, fazemos pães venezuelanos, doces e salgados, diferentes do Brasil, nosso desejo no futuro é termos um negócio próprio para poder ajudar outras pessoas, ajudar outros venezuelanos”, finalizou.
Foto: Divulgação
Carla com o marido Crismer e os filhos Alan e Cristofer
Futuro intercultural
Com a nova onda migratória, esses imigrantes aprendem os costumes brasileiros e gaúchos, mas também trazem elementos de sua cultura por meio da culinária, música, danças, religiosidade e vão se integrando e se mesclando à cultura local. “Novos territórios, culturas, línguas, crenças, visões de mundo vão se mesclando às já existentes, enriquecendo-se pela integração e alguns princípios de interculturalidade. É importante que se diga que nem tudo foi harmônico nas dinâmicas de contatos culturais; sempre houve conflitualidades, exclusões, dificuldades de convivência social. O bem viver intercultural é um desafio e uma aprendizagem constante”, lembra Tedesco.
Para finalizar, o pesquisador afirma que todos os grupos étnicos tiveram e têm sua importância para o desenvolvimento de Passo Fundo. “Nesses 166 anos de emancipação política e criação do município, é importante também dar ênfase aos grupos humanos, suas dimensões étnico-culturais, seus vínculos sociais, fazer um esforço para não dar preponderância a alguns e esquecer outros; todos, em suas especificidades, expressões econômicas, culturais, de origem territorial, deram e o continuam fazendo sua contribuição para o progresso e o bem-viver em Passo Fundo”.