Na reconstrução, “O Rio Grande do Sul pode ser um exemplo para o mundo”, diz antropólogo colombiano

Santiago Uribe falou em Passo Fundo sobre o programa Cidades Resilientes e as mudanças que levaram Medellin a ser exemplo de desenvolvimento social internacional

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O antropólogo colombiano Santiago Uribe durante palestra no Instituto Aliança Empresarial, na tarde de terça-feira (04). Fotos Divulgação / Propósito Comunicação CorporativaO antropólogo colombiano Santiago Uribe durante palestra no Instituto Aliança Empresarial, na tarde de terça-feira (04). Fotos Divulgação / Propósito Comunicação Corporativa
O antropólogo colombiano Santiago Uribe durante palestra no Instituto Aliança Empresarial, na tarde de terça-feira (04). Fotos Divulgação / Propósito Comunicação Corporativa
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Uma cidade colombiana que ganhava espaço no noticiário internacional nas décadas de 1980 e 1990 pelos elevados índices de violência hoje é exemplo de inovação e exporta métodos e conhecimento referentes ao desenvolvimento urbano e social, passando, também, mas não somente, pela segurança. Medellin analisou sua realidade, planejo

u e implementou ações, tornando-se um case de sucesso do programa Cidades Resilientes, uma iniciativa da Rockfeller Foundation que assessora cidades de todo o mundo a resistirem a situações extremas, trazendo novas perspectivas para o futuro. 

Na década de 1990, Medellín registrava 6349 homicídios por ano, em 2022 o número caiu para 319. Com os resultados, hoje, o antropólogo colombiano Santiago Uribe, diretor-executivo da Medellín Resilience Office Corporation, tem viajado o mundo a convite de lideranças políticas, empresariais e universidades para espalhar as iniciativas que levaram a essa redução da criminalidade e a outros índices sociais positivos. Nessa terça-feira (04), esteve em Passo Fundo. 

Se, no princípio, a insegurança foi o mote principal, agora, o programa contempla outras necessidades importantes e que afetam a sobrevivência, a qualidade de vida e a rotina nos aglomerados populacionais: os fatores climáticos. Sua vinda ao Rio Grande do Sul, inclusive, se dá num período em que muitos locais seguem inundados, cidades continuam devastadas e milhares de pessoas estão fora de casa. Ele próprio precisou adiar a vinda devido às enchentes. Viria no início de maio, no dia em que o Aeroporto Salgado Filho foi fechado pela inundação, para cumprir uma série de agendas, mas só chegou agora.  

No Rio Grande do Sul, não é a primeira vez que está. Há anos, ao menos desde 2009, conhece a nossa capital, que costuma visitar quase anualmente, e várias cidades da Serra e região Sul, atualmente, entre as mais afetadas pelas chuvas. Para o estudioso, o panorama que presencia por aqui reafirma a necessidade de considerar as características naturais de cada localidade e a intensificação de fatores climáticos extremos no planejamento urbano. “No pacto pela inovação em Medellín, trabalhamos desde a perspectiva da resiliência como capacidade de afrontar os maiores desafios. Durante muito tempo, foram os desafios sociais, como a violência e a desigualdade, mas hoje falamos muito sobre emergência climática. Se criou um comitê cientifico para isso, e a cidade declarou emergência climática muito antes de sofrer qualquer catástrofe. Além disso, estamos preparando todo um planejamento para o futuro”, afirma, informando que tem compartilhado a metodologia com Porto Alegre e o estado. 

Nesse sentido, ao abordar a situação atual enfrentada em mais de 400 municípios gaúchos, entende que o “maior ativo” que tem o Rio Grande do Sul é a agua. “É preciso abraçar essa realidade e pensar que se deve construir soluções em harmonia com a natureza, que, no caso de Porto Alegre, respondam ao fato de ser uma cidade aquática, e, a partir daí, desenhar um urbanismo nesse contexto”. 

Uribe em palestra no Instituto Aliança Empresarial, promovida através do Programa “Novos Horizontes 360º”, que contribui com oportunidades para pessoas atingidas pelas enchentes no RS. Fotos Divulgação / Propósito Comunicação Corporativa

Uribe registra que tanto Porto Alegre quanto Medellín integram a rede de cidades Resilientes da Rockfeller Foundation, assim como a americana Nova Orleans, que pode servir como exemplo num contexto de reconstrução urbana. “Eles têm compartilhado conosco muitas experiências após o furação Katrina. A mesma coisa feita em Porto Alegre durante muitos anos, de construir barreiras com comportas, foi feito em Nova Orleans, e eles, após o furacão, decidiram retirar, aplicando um novo planejamento, ficando ‘de cara’ para o delta, para o Mississipi, abraçando a água”. “O Rio Grande do Sul, os municípios gaúchos têm uma oportunidade enorme de pensar o futuro com uma nova maneira de habitar o território, e pode ser um exemplo para o resto do mundo. Acho que as enchentes que aconteceram aqui podem ser consideradas a tragédia de emergência climática contemporânea mais grande da história da humanidade. Talvez, o capital mais maravilho do Rio Grande do Sul seja a capacidade de resiliência das pessoas, que são capazes de mudar qualquer realidade”, considera. 

Medellín – um centro densamente povoado localizado em uma região montanhosa - encara deslizamentos de terra, enxurradas e terremotos. O assunto climático, diz o antropólogo, é abordado por meio de um comitê comunitário de gestão de riscos. “Não só para o atendimento emergencial, mas como planejamento estratégico de como gerir os riscos, criando uma consciência sobre as novas realidades”. Essa ferramenta social, afirma, é um bom exemplo de medida a ser adotada por outras localidades. “A única forma de fortalecer a capacidade de resiliência das cidades é criar lideranças comunitárias que, organizadas, elas mesmas desenhem soluções de pequena escala, que depois virem grandes políticas públicas, envolvendo municípios, universidades, empresários”, argumenta.


Segurança e a desigualdade

Medellín foi uma das primeiras cidades do mundo que falou em resiliência, ainda a partir de 1989, lembra Santiago Uribe. Conforme retoma, “o mais importante no princípio da compreensão de nossos desafios foi que a violência era a manifestação de um problema maior: a desigualdade. A pobreza não significa violência, mas a desigualdade é a energia e o motor de conflitos, e muitos conflitos são resolvidos pela violência”, relaciona. 

O distanciamento do Estado, sobretudo, de regiões periféricas é outra questão relevante. “Onde não chega o Estado, as organizações criminosas estão e proveem os serviços básicos, a gestão das terras, controlam o que é vendido, a segurança. Medellín planejou para levar o melhor do Estado para a periferias, com a possibilidade de desenvolvimento urbano para mudar essa realidade de desigualdade, e, através de um planejamento, gerar um plano para 20 ou 30 anos”, conta. 

Na prática, a presença estatal significa a construção de escolas, praças, centros de desenvolvimento econômico, dentre outras estruturas. “A mensagem mais importante é que a transformação das cidades é um processo que toma tempo, perpassa muitos prefeitos e vereadores. Em Medellín, eles [os políticos] compreenderam que é melhor fazer parte de uma transformação maior”, finaliza.

Em Passo Fundo, o antropólogo colombiano Santiago Uribe esteve na Universidade de Passo Fundo, segunda-feira (03), no Instituto Aliança Empresarial, na tarde de terça (04), e, à noite, palestrou em workshop promovido pela prefeitura.


“Acho que as enchentes que aconteceram aqui podem ser consideradas a tragédia de emergência climática contemporânea mais grande da história da humanidade. Talvez, o capital mais maravilho do Rio Grande do Sul seja a capacidade de resiliência das pessoas, que são capazes de mudar qualquer realidade”

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