Uma cidade colombiana que ganhava espaço no noticiário internacional nas décadas de 1980 e 1990 pelos elevados índices de violência hoje é exemplo de inovação e exporta métodos e conhecimento referentes ao desenvolvimento urbano e social, passando, também, mas não somente, pela segurança. Medellin analisou sua realidade, planejo
u e implementou ações, tornando-se um case de sucesso do programa Cidades Resilientes, uma iniciativa da Rockfeller Foundation que assessora cidades de todo o mundo a resistirem a situações extremas, trazendo novas perspectivas para o futuro.
Na década de 1990, Medellín registrava 6349 homicídios por ano, em 2022 o número caiu para 319. Com os resultados, hoje, o antropólogo colombiano Santiago Uribe, diretor-executivo da Medellín Resilience Office Corporation, tem viajado o mundo a convite de lideranças políticas, empresariais e universidades para espalhar as iniciativas que levaram a essa redução da criminalidade e a outros índices sociais positivos. Nessa terça-feira (04), esteve em Passo Fundo.
Se, no princípio, a insegurança foi o mote principal, agora, o programa contempla outras necessidades importantes e que afetam a sobrevivência, a qualidade de vida e a rotina nos aglomerados populacionais: os fatores climáticos. Sua vinda ao Rio Grande do Sul, inclusive, se dá num período em que muitos locais seguem inundados, cidades continuam devastadas e milhares de pessoas estão fora de casa. Ele próprio precisou adiar a vinda devido às enchentes. Viria no início de maio, no dia em que o Aeroporto Salgado Filho foi fechado pela inundação, para cumprir uma série de agendas, mas só chegou agora.
No Rio Grande do Sul, não é a primeira vez que está. Há anos, ao menos desde 2009, conhece a nossa capital, que costuma visitar quase anualmente, e várias cidades da Serra e região Sul, atualmente, entre as mais afetadas pelas chuvas. Para o estudioso, o panorama que presencia por aqui reafirma a necessidade de considerar as características naturais de cada localidade e a intensificação de fatores climáticos extremos no planejamento urbano. “No pacto pela inovação em Medellín, trabalhamos desde a perspectiva da resiliência como capacidade de afrontar os maiores desafios. Durante muito tempo, foram os desafios sociais, como a violência e a desigualdade, mas hoje falamos muito sobre emergência climática. Se criou um comitê cientifico para isso, e a cidade declarou emergência climática muito antes de sofrer qualquer catástrofe. Além disso, estamos preparando todo um planejamento para o futuro”, afirma, informando que tem compartilhado a metodologia com Porto Alegre e o estado.
Nesse sentido, ao abordar a situação atual enfrentada em mais de 400 municípios gaúchos, entende que o “maior ativo” que tem o Rio Grande do Sul é a agua. “É preciso abraçar essa realidade e pensar que se deve construir soluções em harmonia com a natureza, que, no caso de Porto Alegre, respondam ao fato de ser uma cidade aquática, e, a partir daí, desenhar um urbanismo nesse contexto”.
Uribe registra que tanto Porto Alegre quanto Medellín integram a rede de cidades Resilientes da Rockfeller Foundation, assim como a americana Nova Orleans, que pode servir como exemplo num contexto de reconstrução urbana. “Eles têm compartilhado conosco muitas experiências após o furação Katrina. A mesma coisa feita em Porto Alegre durante muitos anos, de construir barreiras com comportas, foi feito em Nova Orleans, e eles, após o furacão, decidiram retirar, aplicando um novo planejamento, ficando ‘de cara’ para o delta, para o Mississipi, abraçando a água”. “O Rio Grande do Sul, os municípios gaúchos têm uma oportunidade enorme de pensar o futuro com uma nova maneira de habitar o território, e pode ser um exemplo para o resto do mundo. Acho que as enchentes que aconteceram aqui podem ser consideradas a tragédia de emergência climática contemporânea mais grande da história da humanidade. Talvez, o capital mais maravilho do Rio Grande do Sul seja a capacidade de resiliência das pessoas, que são capazes de mudar qualquer realidade”, considera.
Medellín – um centro densamente povoado localizado em uma região montanhosa - encara deslizamentos de terra, enxurradas e terremotos. O assunto climático, diz o antropólogo, é abordado por meio de um comitê comunitário de gestão de riscos. “Não só para o atendimento emergencial, mas como planejamento estratégico de como gerir os riscos, criando uma consciência sobre as novas realidades”. Essa ferramenta social, afirma, é um bom exemplo de medida a ser adotada por outras localidades. “A única forma de fortalecer a capacidade de resiliência das cidades é criar lideranças comunitárias que, organizadas, elas mesmas desenhem soluções de pequena escala, que depois virem grandes políticas públicas, envolvendo municípios, universidades, empresários”, argumenta.
Segurança e a desigualdade
Medellín foi uma das primeiras cidades do mundo que falou em resiliência, ainda a partir de 1989, lembra Santiago Uribe. Conforme retoma, “o mais importante no princípio da compreensão de nossos desafios foi que a violência era a manifestação de um problema maior: a desigualdade. A pobreza não significa violência, mas a desigualdade é a energia e o motor de conflitos, e muitos conflitos são resolvidos pela violência”, relaciona.
O distanciamento do Estado, sobretudo, de regiões periféricas é outra questão relevante. “Onde não chega o Estado, as organizações criminosas estão e proveem os serviços básicos, a gestão das terras, controlam o que é vendido, a segurança. Medellín planejou para levar o melhor do Estado para a periferias, com a possibilidade de desenvolvimento urbano para mudar essa realidade de desigualdade, e, através de um planejamento, gerar um plano para 20 ou 30 anos”, conta.
Na prática, a presença estatal significa a construção de escolas, praças, centros de desenvolvimento econômico, dentre outras estruturas. “A mensagem mais importante é que a transformação das cidades é um processo que toma tempo, perpassa muitos prefeitos e vereadores. Em Medellín, eles [os políticos] compreenderam que é melhor fazer parte de uma transformação maior”, finaliza.
Em Passo Fundo, o antropólogo colombiano Santiago Uribe esteve na Universidade de Passo Fundo, segunda-feira (03), no Instituto Aliança Empresarial, na tarde de terça (04), e, à noite, palestrou em workshop promovido pela prefeitura.