Com duas viradas de jogo, uma delas dentro dos gramados e outra na Justiça, 2012 já é considerado pelos torcedores como um dos anos mais importantes na história quase centenária do Sport Clube Gaúcho. Além de garantir presença na divisão de acesso com um plantel, cuja folha de pagamento não excedia R$ 9 mil, a direção deve anunciar nos próximos dias o resultado de uma negociação que promete resgatar a saúde financeira e projetar o futuro do clube.
O chamado ‘ano da virada’ ainda reserva mais surpresas ao torcedor. Uma audiência pública marcada para a próxima terça-feira poderá confirmar a doação, por parte de prefeitura, de uma área nas imediações do ginásio poliesportivo do Teixeirinha. A intenção é construir uma mini-arena, com capacidade para 15 mil pessoas, estacionamento e centro de treinamento.
De um clube considerado falido até seis meses atrás, o Gaúcho passou a vislumbrar uma perspectiva sonhada até pelos grandes do futebol brasileiro: zerar todas as dívidas, inclusive com o INSS. Para reverter o quadro, o presidente Gilmar Rosso, apoiado por um grupo de conselheiros, vem peregrinando, desde 2010, pelos corredores e salas do fórum de Passo Fundo com a espinhosa missão de saldar uma dívida de R$ 6 milhões. São 299 ações, a maioria movidas por jogadores e funcionários, nas varas cível e trabalhista. A principal delas surgiu em 1996 quando um menino, que na época tinha 10 anos, afogou-se na piscina do clube e passou a viver em estado vegetativo. O clube também é devedor do INSS e Receita Federal.
“Tem até a ação de um torcedor de outra cidade que foi agredido com um guarda-chuva por outro torcedor do Gaúcho. Ambos entraram na Justiça contra o clube” revela Rosso, apontando para a pilha de documentos acumulada em três anos de sua gestão. As projeções otimistas para 2013, são resultados de uma virada de jogo iniciada a partir de abril do ano passado, quando o Tribunal de Justiça do Estado aceitou a tramitação do processo que pedia anulação do leilão do Wolmar Salton, realizado em junho de 2007. A cartada final veio em junho deste ano, com a autorização judicial para colocar a área do estádio à venda e usar o dinheiro no pagamento das dívidas.
“Realizamos uma audiência e chegamos ao consenso de que somente vendendo o estádio poderíamos quitar as dívidas. Não havia outra alternativa. Encerramos a batalha judicial e conseguimos resolver 99% das ações através de acordos. Cada lado cedeu um pouco. Foram três dias seguidos de negociações. Essa foi a grande virada do Gaúcho fora das quatro linhas” comenta emocionado o presidente.
Para garantir transparência na negociação da venda, Rosso determinou que as propostas de compra fossem encaminhadas para a 5ª Vara de Família, no fórum de Passo Fundo, em envelopes lacrados e constando o número do processo. No período de 30 dias, duas delas foram apresentadas e uma acabou sendo aceita. Mantido em segredo de justiça, o nome e os valores da compra somente serão revelado com autorização da empresa compradora, o que deve ocorrer nos próximos dias. Rosso adianta que o dinheiro será suficiente para sanar as dívidas e que ainda sobrará uma parte para investir na construção da mini-arena.
Classificação surpreendente
“Um olho no gato e outro no peixe” assim o presidente Gilmar Rosso definiu a dupla tarefa de cuidar, ao mesmo tempo, da parte administrativa e do futebol no segundo semestre de 2012. Após desatar os nós formados por quase três centenas de ações e vencer a batalha na Justiça, o desafio da direção passou a ser a disputa da Segunda Divisão, com um plantel composto por 23 atletas, a maioria jovens e sem nenhuma experiência em competição profissional.
Rosso revela que a decisão de colocar o time em campo na estreia diante do Nova Prata, somente foi tomada três dias antes da partida. “Estávamos aguardando um posicionamento da Justiça envolvendo as negociações com o estádio. Se o resultado não fosse favorável, fecharíamos as portas em definitivo, mas felizmente deu tudo certo. Era sexta-feira e eu não sabia se tinha jogadores suficientes inscritos no BID da CBF para jogar no domingo” lembra.
Situação que acabou atrasando a contratação de reforços e do próprio treinador. Celso Freitas chegou na semana seguinte à estreia e assumiu os trabalhos. Com uma folha de pagamento de aproximadamente R$ 9 mil, contra clubes que investiram até R$ 100 mil mensais, o time iniciou a disputa com o mesmo objetivo traçado pelo presidente quando assumira em 2010: manter o Gaúcho vivo e a paixão de seu torcedor acesa.
Os percalços seguiram ao longo da competição. Na primeira fase, a equipe não entrosou e os resultados negativos viraram rotina. Nos cinco primeiros jogos, o alviverde somou apenas um ponto e fez moradia na ponta de baixo da tabela. Jogadores continuaram trabalhando e os resultados positivos surgindo aos poucos. A classificação, tida como impossível até mesmo para os torcedores mais fanáticos, foi se materializando na reta final e acabou se confirmando.
As turbulências não deixaram o clube nem mesmo nos momentos de vitória. O time ainda comemorava a vaga quando foi surpreendido com o pedido de demissão do técnico Celso Freitas e de outros dois jogadores. O trio trocou o alviverde pelo Guarani de Garibaldi, que por ironia do destino, seria eliminado na semifinal pelo próprio Gaúcho.
Sem comandante, a direção decidiu buscar a receita em casa. O preparador físico Marco Aurélio e o auxiliar Roberto Chaparini assumiram a função. A dupla ainda ganhou o reforço do ex-jogador Serjião, responsável pelos trabalhos físicos. O primeiro desafio do trio na fase mata-mata foi diante do TAC de Três Passos, até então invicto na competição. Após a derrota por 1 a 0 em casa, a missão era buscar a classificação longe da torcida.
Além da vantagem no jogo de ida, o TAC saiu na frente no segundo confronto. A vaga já estava sendo definida quando o atacante Léo saiu do banco de reservas para mudar a história. Ele fez o gol de empate aos 9 minutos do segundo tempo, e virou o jogo aos 40.
No escritório onde trabalha, o presidente mostra com orgulho uma folha com anotações táticas feitas para o confronto decisivo em Três Passos. Segundo ele, a entrada de Léo estava programada para acontecer aos 10 minutos da etapa final, mas foi antecipada em dois minutos. “Como ele havia sido muito bem marcado na primeira partida, resolvemos deixá-lo no banco. A estratégia deu certo” revela.
Embalado e confiante, o Gaúcho carimbou presença na Divisão de Acesso e na final da Segundona, em dois jogos históricos diante do Guarani de Garibaldi do técnico Celso Freitas. Após vencer 1 a 0 em casa, o time perdeu por 2 a 1 no segundo confronto, mas foi beneficiado pelo saldo de gols. Para aumentar ainda mais o sofrimento do torcedor, a partir dos 30 minutos finais, o Gaúcho teve um jogador expulso. “Quando chegou aos 40 minutos eu não vi mais nada. Esses quatro confrontos, com o TAC e o Guarani são o que chamamos de ‘jogos para sempre. As duas derrotas para o Aimoré na final em nada mudaram a história desses confrontos” definiu o presidente.
“O Gaúcho nunca morre”
Responsável em comandar os passos do Gaúcho desde 2010, Gilmar Rosso se emociona ao falar do sentimento pelo clube que aprendeu a gostar através de seu pai. Ele revela que boa parte das estratégias adotadas para livrar o clube da falência definitiva, aprendeu durante o período em que era oficial do exército em Santiago do Boqueirão. Mesclando emoção e pulso firme, Rosso diz que o desafio seguinte será a construção do novo estádio. “Estou acostumado a ser chamado de louco na rua, mas louco foram os que me seguiram e acreditaram em mim. Conseguimos colocar o Gaúcho em campo, resolvemos as pendências judiciais, agora vamos partir para outra etapa” projeta. Questionado sobre as pretensões de subir para a primeira divisão já em 2013, diz apenas que montará uma boa equipe e que a meta continua sendo 2018, quando o alviverde completará 100 anos. “Até lá estaremos disputando a série C ou B do Campeonato Brasileiro. Nós somos os verdadeiros imortais. O gaúcho nunca morre” revela, mencionando a frase pichada no muro do Wolmar Salton.
O ano da virada alviverde
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