Por Ângela Prestes
Estagiária do Núcleo Experimental de Jornalismo
AGECOM/UPF
Animada, Adriana pensa em voz alta: “Lei, L: 1, 2, 3. E: 1, 5. I: 2, 4. Está pronto.”
O professor instrui: “Agora boa, escreve boa.”
E Adriana, antes de escrever, canta: “Que vida boa…”
É em uma salinha apertada, em meio a dezenas de livros de uma biblioteca, que Adriana, 30 anos, estuda braille. Ela é uma das associadas na Apace, a Associação Passo-Fundense de cegos, que decidiu se dedicar ao estudo da linguagem para deficientes visuais. Seu professor é Everton de Souza, 37 anos, que também é deficiente visual e trabalha como voluntário na entidade. As aulas acontecem todas as terças-feiras pela manhã, na biblioteca do lugar. Adriana sai de sua casa, que fica na Morada do Sol, por volta das 08 horas e pega um ônibus até o centro. Os desafios que enfrenta não são poucos, mas um é mais pontual. ”Locomover-se é a minha maior dificuldade”. Entre esses desafios está a aprendizagem do braille, que pratica há cerca de um ano. Seu maior incentivo de estar ali é pelos filhos, Adriana é mãe de dois meninos, um de 8 e outro de 11 anos, ambos com baixa visão. “Eu decidi aprender pra eu poder escrever e pra facilitar para os meus filhos, pra poder ensinar eles.”
O que move Adriana, que é tida pelos colegas como a associada mais alegre da Apace, é a vontade de ver o mundo por meio das mãos, de ler. Mas nem todos têm essa oportunidade. No Brasil, existem mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual, sendo 582 mil cegas e 6 milhões com baixa visão, segundo dados do Censo 2010, feito pelo IBGE. Porém, é estimado que apenas 10% dessas pessoas dominem o braille. Os números mostram a falta de incentivo, de material, de recursos, de atenção. Mas não apenas disso: na Apace, por exemplo, são oferecidas aulas gratuitas, mas apenas 15 associados de um total de 180 sabem ler. Segundo a psicóloga do local, Luciana Rissi, na biblioteca da Apace – o lugar onde acontecem as aulas – existem cerca de 400 obras em braille.
Mas não são todos os que preferem utilizá-lo. Atualmente, existem diversos programas que auxiliam na leitura de textos. Segundo Ana Paula Freires, encarregada do Saes, o Setor de Atendimento ao Aluno da UPF, os deficientes visuais estão optando por essas ferramentas, por serem mais fáceis.
No setor, eles desenvolvem um trabalho com os alunos cegos da instituição. São três acadêmicos, dos quais dois sabem ler em braille. A adaptação varia de textos impressos em uma impressora especial, envio de textos para programas que fazem a leitura para o aluno e o apoio ao programa Audioteca, da Faculdade de Artes e Comunicação. São mais rápidos e práticos, porém não fornecem o conhecimento proporcionado pela aprendizagem do braille. Para Everton, “a única possibilidade de ter uma boa escrita e uma boa leitura é com o braille”. Além disso, a Apace não tem como oferecer gratuitamente equipamentos de informática aos associados. “São fornecidos o punção e a reglete, e se o aluno quiser comprar também se torna mais barato, pois fica em torno de uns 35, 40 reais”, explica ele.
Ensinando e aprendendo
Everton domina o braille há 11 anos e há cerca de 5 ensina a prática. Ele iniciou o curso de música na UPF, mas quando começou a trabalhar com alfabetização, tomou gosto pelo fazer e decidiu trocar para pedagogia, curso a que se dedica hoje. Como professor Everton se sai bem, segundo Adriana. “No início eu achei bem complicado, mas como o professor é a paciência em pessoa, fica bem mais fácil”, diz ela.
A Apace também oferece aulas gratuitas de locomoção, arte e atendimentos variados. Dona Magda, com 52 anos, que, segundo ela, nem aparecem, participa da aula de locomoção. Assim como Adriana, ela também reside na Morada do Sol e se desloca até a Apace de ônibus. Para ela “o que incomoda muito são os carros no caminho”.
“Deixa eu memorizar, então o U é 1, 3, 6 e o O é 1, 3, 5. É isso?” A vontade de aprender e o empenho por saber mais são aparentes no semblante de Adriana, que não se deixa abater pelas dificuldades que encontra. Ela nasceu com baixa visão, que foi diminuindo com o passar do tempo. Hoje, com 30 anos, ela sente “como se estivesse o tempo todo nublado”. Mas nada que a impeça de pegar o ônibus, ir até a padaria tomar um cafezinho antes da aula e sentar animada para descobrir mais um pedacinho do mundo em uma pilha de folhas sulfite 40.
*O título da matéria foi inspirado no livro de mesmo nome, de Leila Rentroia Jannoene.
Quem foi Louis Braille?
“Se os meus olhos não me deixam obter informações sobre homens e eventos, sobre ideias e doutrinas, terei de encontrar uma outra forma.”
Louis Braille, que nasceu em Coupvray, em 1809, na França, foi o criador do sistema de leitura para cegos que recebeu seu nome, braille. Aos três anos Louis feriu-se no olho esquerdo. A infecção que se seguiu ao ferimento alastrou-se ao olho direito, provocando a cegueira total. Louis aperfeiçoou e simplificou a escrita noturna – método em relevo de uso militar pra que os soldados pudessem ler no escuro. Em 1824, com apenas 15 anos, terminou o seu sistema de células com seis pontos. Porém, o novo código só foi adotado oficialmente em 1854, dois anos após a morte de Braille, provocada por tuberculose em 6 de Janeiro de 1852, com apenas 43 anos.
Como funciona o braille?
Com seis pontos em relevo dispostos em duas colunas e três linhas, o sistema proporciona 63 combinações diferentes que representam as letras do alfabeto, os números, símbolos científicos, da música, fonética e informática. Eles são escritos com a utilização de uma reglete – peça de metal que prende o papel e tem espaço para os furinhos, um punção, objeto desenvolvido para furar e com uma folha sulfite 40 ou 60. Também existem máquinas que podem ser utilizadas, semelhantes à máquinas de escrever normais.
Com a ponta dos dedos e os olhos do coração
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