A discussão sobre a possibilidade de retirar as carroças do perímetro urbano de Passo Fundo divide opiniões. Este assunto é tema do primeiro projeto de Lei do vereador mais jovem da Câmara de Vereadores, Eduardo Peliciolli (PSB), que deverá ser protocolado no Legislativo no dia 21 de janeiro, quando será realizado um movimento no município chamado “Crueldade nunca mais”. De um lado estão os carroceiros que defendem a utilização deste meio de transporte para o seu sustento e do outro estão as entidades protetoras dos animais, que atuam para a retirada das carroças em prol dos cavalos.
O que visa o projeto?
Segundo o vereador Peliciolli, o projeto que está sendo elaborado proíbe as carroças no perímetro urbano de Passo Fundo e não apenas no centro. O projeto prevê uma exceção para datas comemorativas como nos dias 07 e 20 de setembro.
Iniciativa para fazer a proposição
O vereador informou que ele participa de grupos ligados a proteção dos animais e na opinião dele os animais precisam ser defendidos pelos homens. “Os homens tem voz para reclamar, os animais não tem ninguém que os defenda. O homem tem que ser a voz dos animais”, declarou Peliciolli.
Justificativa para retirar as carroças
Uma das razões citadas por Peliciolli para retirar de circulação as carroças do perímetro urbano foi sua experiência como membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente, no qual ele teve a oportunidade de acompanhar o processo de chipagem dos cavalos no município. “Observamos que grande parte dos animais dos carroceiros estava abaixo do peso, com o olho esquerdo furado para o cavalo não se assustar com o trânsito e também a locação de carroças e cavalos para os recicladores”, relatou o vereador.
Objetivos da proposição
O projeto de lei tem três objetivos principais. O primeiro é reorganizar o sistema de coleta de materiais recicláveis através dos catadores, o segundo é em relação a preocupação com os animais e o terceiro são as condições de trânsito e segurança.
Consequências
O vereador salientou que estudou muito sobre o assunto e sabe das consequências que ele provocará. Existe a questão dos animais que são utilizados atualmente nas carroças. Segundo Peliciolli, muitos destes cavalos não terão mais utilidade para os carroceiros e alguns provavelmente seriam abandonados pelos seus donos. “Boa parte destes animais seriam absorvidos através de projetos de ecoterapia e a ideia é procurar entidades de apoio como UPF e Cavaleiros do Mercosul. A expectativa é que cerca de 40 e 50 animais sejam abandonados. Em relação ao restante dos animais acreditamos que serão mantidos pelos carroceiros devido aos vínculos afetivos”, estimou o vereador.
Uma das principais consequências estimada com a retirada das carroças está a situação das famílias que dependem do transporte das carroças para recolher o material reciclável nas ruas. Para complementar o projeto, o vereador disse que terá que achar uma solução econômica para estas famílias. A ideia é fazer com que os carroceiros que atuam na reciclagem migrem da rua para os pavilhões de reciclagem existentes no município. “Nestes pavilhões há equipamentos que auxiliam na triagem dos materiais, os catadores trabalham com equipamentos de segurança, estão longe do clima, protegidos do sol, chuva e frio. Queremos que os recicladores trabalhem nas cooperativas com perspectivas de melhores salários. Além disso, os adolescentes e crianças que são vistos com frequência ajudando os pais nas carroças poderão retornar à escola”, explicou Peliciolli.
Município precisa organizar sistema de reciclagem
O autor desta proposição disse que os colegas vereadores não tem se mostrado contrários ao projeto, mas afirmam que precisa haver um maior debate e tempo de adaptação. “Muitos vereadores me disseram que aprovariam o projeto se ele tiver um prazo para ser implantado, dando tempo para que a prefeitura construa uma política pública. É preciso que a prefeitura organize o sistema de reciclagem no formato de pavilhões e cooperativas”, ressaltou o vereador.
Capa é a favor da retirada das carroças
O Clube dos Amigos e Protetores dos Animais (Capa) é a favor da retirada das carroças do perímetro urbano. A presidente da entidade, Zulma Marques disse que está sendo realizado um baixo-assinado para a retirada do serviço de tração animal de Passo Fundo. Em 2011, foram retirados 87 cavalos das ruas. Atualmente, 28 animais estão albergados e apenas quatro estão aptos para a adoção. Conforme Zulma, 99% dos cavalos de carroças estão abaixo do peso ideal e anêmicos. “A alimentação é inadequada, a maioria está mal ferrada, trabalham com carga e tempo excessivos, com carroças despadronizadas, entre outros fatores que servem de argumento para mostrar que Passo Fundo não comporta ter mais este serviço nas ruas”, argumentou a presidente do Capa.
Zulma disse que é parceira do projeto do vereador e a entidade está a disposição, mas também entende que é necessário encaixar os carroceiros que reciclam materiais no mercado de trabalho e nos programas sociais. Os interessados em participar do abaixo-assinado para que seja criada uma lei que retire as carroças devem entrar em contato através do e-mail [email protected].
“É preciso achar uma solução para os carroceiros antes de impedir a utilização das carroças”
O secretário executivo do projeto Transformação, Márcio André Mazzon, disse que atualmente os carroceiros são autônomos e não tem entidades que os representam. O projeto Transformação incentiva que os catadores trabalhem nos pavilhões de reciclagem para que não fiquem expostos ao tempo e aos perigos da rua. No entanto, enfatiza que não basta apenas retirar os carroceiros é preciso achar uma alternativa de trabalho para eles. “Hoje a infraestrutura da coleta oferecida pelo município ainda é insuficiente. Não adianta apenas tirar eles das ruas é preciso dar condições de trabalho para que tenham a sua renda”, opinou Mazzon.
Mais de 500 cavalos em Passo Fundo
Conforme o secretário do Meio Ambiente, Enilson Gonçalves, atualmente não há um departamento de animais no município que trate de maus tratos. Conforme dados da secretaria, a estimativa é que existam cerca de 500 cavalos no município. Um trabalho implantado na administração passada chipou cerca de 120 animais. A maioria está concentrada nos bairros Bom Jesus, Donária, Petrópolis e Manoel Corralo. Conforme o secretário este sistema possibilita colher informações sobre o animal e também o emplacamento das carroças com dados do proprietário. “Este sistema possibilita o acompanhamento da situação destes animais, no entanto, há uma dificuldade no quadro técnico da secretaria. Vamos buscar a reestruturação do plano de gestão para uma política de animais”, disse o secretário.
O secretário disse que é a favor da retirada dos cavalos das ruas, mas enfatizou a necessidade de haver um debate amplo e levar em conta a questão social dos carroceiros. “É preciso criar condições para que estas pessoas não sejam colocadas à margem do processo. Não queremos resolver uma questão ambiental e criar outro problema”, ressaltou o secretário.
Carroceiros são contra a proibição
A maioria dos carroceiros utiliza o transporte de tração animal para carregar os materiais recicláveis arrecadados nos contêineres e nas empresas de Passo Fundo. Os materiais são comercializados e para muitos são a única renda da família.
O carroceiro Edi Gonçalves, morador da vila Luiza, não concorda com este projeto de Lei. Ele trabalha nas ruas há cerca de 15 anos. O cavalo Tortilho tem oito anos e o carroceiro adquiriu o animal há aproximadamente um ano. Disse que não maltrata o seu cavalo. “A prefeitura deve fiscalizar os rodeios. Lá sim os caras judiam dos animais. Meu cavalo é chipado e tive que emplacar a minha carroça. Gasto R$ 150,00 com comida para ele e outros R$ 80,00 para a ferradura. Ganho mil e pouco por mês e não vale a pena trabalhar nos galpões. Também já não tenho idade para trabalhar numa empresa”, justificou Gonçalves.
O carroceiro João Dirceu Borges Dornelles, de 60 anos, morador do bairro São Luiz Gonzaga, também questiona a lei. Atua nas ruas como catador há mais de 20 anos. Sustenta uma família com seis pessoas com aproximadamente um salário mínimo. A égua Ruana, tem 12 anos e foi adquirida pelo carroceiro há dois anos. “Ela trabalha o dia todo comigo. Come alfafa, milho, pasto e frutas. Se impedirem que eu trabalhe com a carroça, onde eu vou trabalhar?”, questionou o carroceiro.